segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

“O CIRCO DESCEU À CIDADE”



Público/Opinião/
DM09DEZ07
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O circo desceu à cidade
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António Barreto
Retrato da semana
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Os políticos olham


para os povos como se

estes fossem incómodos

para as suas encenações


Trapezistas andróginos, papagaios alfabetos, palhaços pobres e ricos, tigres amestrados, magos e contorcionistas: há de tudo. Vieram por três dias, a cidade ficou em quarentena e, ansioso, o mundo espera por resultados. A meio da semana, tudo recomeça, mas só com um grupo selecto que vem assinar nos Jerónimos a inútil constituição europeia alcunhada de Tratado.

CIMEIRA, TRATADO, DECLARAÇÃO E ESTRATÉGIA: todas de Lisboa, para engrandecimento da pátria! Ao lado do Presidente da União Europeia, português de lei, o presidente da Comissão, outro português de gema. Portugal, Lisboa e Sócrates saem deste rodopio famosos, prestigiados e com uma nova projecção internacional. Parece que o papel de Portugal no mundo foi assim reforçado. Que muitas novas oportunidades serão criadas. E que se deu um passo essencial na construção da paz e da segurança mundiais.

SERÁ NECESSÁRIO, PARA OBTER SEGURANÇA, DIALOGAR com criminosos, apertar a mão a torturadores, tratar quaisquer déspotas de democratas, esquecer guerras e fomes, deixar entre parêntesis a corrupção, alimentar a cleptocracia e debitar, com ar confiante, longos discursos de lugares-comuns optimistas congratulatórios? Será que o preço que tem de se pagar pela paz inclui a criação e a manutenção de uma Nomenclatura internacional imune, impune e "off shore"? Será que o próprio desta casta é o hotel de cinco estrelas, o caviar, os vintages caríssimos, a trufa branca e os aviões transformados em lupanares de luxo?

A CIDADE DE LISBOA, COMO QUALQUER OUTRA NAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS, ficou em estado de sítio. Em qualquer canto da cidade, de repente, uns nervosos polícias mandam parar carros e desviar transeuntes, ou atiram para as bermas tudo o que vive, a fim de dar lugar a luzidias comitivas de topos de gama barulhentos e sirenes emproadas de importância. Estivéssemos nós sob ameaça nuclear e a diferença não seria grande: perímetros proibidos, áreas de segurança máxima, locais protegidos pela Armada e pela Força Aérea, centenas de gorilas mais ou menos disfarçados e milhares de soldados e polícias nas esquinas ou pendurados nos telhados. Dezenas de carros blindados transportam estes senhores do pavilhão para o hotel, do centro de congressos para a sala de jantar. A distância que os separa de pessoas normais mede-se em centenas ou milhares de metros. Têm medo de tudo, dos colegas, dos terroristas, dos opositores, dos criminosos, dos acidentes e das pessoas em geral. É cada vez mais o retrato da vida política actual: longe de todos, com receio de tudo. Mas com infinita arrogância.

É TRISTE O ESTADO A QUE CHEGOU O MUNDO! TRISTE E IRREVERSÍVEL. Se mudança houver, será para ainda pior. Os políticos vivem, deslocam-se, governam, reúnem-se e decidem como se fossem perseguidos, como se estivessem permanentemente cercados. Políticos, estrelas de cinema, bilionários e chefes da Máfia vivem assim. Rodeados de guarda-costas e protegidos por exércitos, são acompanhados por enormes comitivas a que não faltam médicos, enfermeiros, ambulâncias, cozinheiros, provadores, jornalistas e escort services. Alguns não dispensam astrólogos, feiticeiros, psicólogos e personal trainers. Os que, a exemplo de Sócrates, exigem correr ou fazer exercício mandaram reservar partes da cidade para poderem queimar toxinas e ser filmados em privado. Os políticos e seus poderosos equiparados vivem num mundo à parte, têm a sua própria geografia e governam-se pelas suas leis. De vez em quando, para serem filmados, esbulham o espaço público. A democracia trocou o Fórum e a Assembleia pela Nomenclatura e pela reserva de privilegiados. Os políticos olham para os povos como se estes fossem incómodos para as suas encenações. Mas os povos olham cada vez mais para os políticos como usurpadores e parasitas.
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O que mais leva ao desperdício e à degradação? Já pensei que fosse a pobreza. Depois a ignorância. Agora, acrescento a demagogia dos novos-ricos
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EM PORTUGAL, OS PRÓXIMOS DIAS, SEMANAS E MESES, vão ser de intensa propaganda. As glórias do Governo e de Sócrates serão equiparadas aos mais altos feitos da história. Tudo para o bem e a grandeza do país. A impecável organização dos festejos será elogiada por toda a gente. O discurso do primeiro-ministro será mostrado como jóia rara e dele se dirá que ascendeu ao estatuto de líder mundial. Repetir-nos-ão, centenas de vezes, que Portugal está na linha da frente. Da paz, do diálogo, da cooperação, dos direitos humanos, da democracia, da ajuda ao desenvolvimento e da humanidade em geral. Pobre país que jubila com os cenários de pechisbeque, mas persiste na linha de trás da justiça, da produtividade, da educação e da desigualdade social!

DIZEM QUE OS CONFLITOS, QUANDO ATINGEM NÍVEIS INSUPORTÁVEIS, trazem a paz. Mas também dizem que as grandes festas de concórdia e espalhafato anunciam o conflito, a violência e a miséria. São coisas que se dizem... Sociólogo

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(Remetido de A CIMEIRA QUE LAVA MAIS BRANCO)

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domingo, 9 de dezembro de 2007

A RELATIVIDADE DA LIBERDADE




Público/Opinião/

SB 08DEZ07








A relatividade da liberdade


08.12.2007, São José Almeida

É lapidar que, para o Governo do PS, a segurança prevalece sobre a liberdade
O ar de Rui Pereira a rir, com o sorriso estampado na cara, visível, mesmo para lá da mão que lhe tapava a boca e em que apoiava a cabeça, manifestando corporalmente cansaço de estar no Parlamento a debater com os deputados, choca. O misto de sarcasmo e tédio com que o ministro da Administração Interna se apresentou, em nome do Governo com colegas seus do executivo a seu lado, incluindo o primeiro-ministro, que assistiu à parte inicial do debate sobre a qualidade da democracia em Portugal proposto pelo PCP, é revelador de uma atitude que é o corolário lógico do securitismo que orienta este Governo.

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imagem Nuno Ferreira Santos/Público

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E esse conceito securitário que orienta o Governo português, bem como os seus homólogos da União Europeia, a Administração americana e em geral os governos democráticos é o regresso a uma musculação da democracia, a um Estado policial, ao uso da força e da sua insinuação, o uso da autoridade para intimidar os cidadãos, em jeito de ameaça, preventivamente, intimidatoriamente. Um conceito de segurança que se expandiu e se instalou nos governos democráticos após o 11 de Setembro, mas que estava já presente em políticas como Schengen.Um conceito de controlo e de policiamento da sociedade, que representa um fechamento, um cercear de sistema de liberdade individual que caracteriza as democracias liberais e que pode ser simbolicamente exemplificado com o debate vivido na Grã-Bretanha sobre a adopção de um documento de identificação obrigatória, tipo bilhete de identidade.É esse debate que, sob outros exemplos - perseguições na administração pública, abusos da polícia sobre direitos constitucionais dos cidadãos, etc. -, decorreu esta semana na Assembleia da República, o debate sobre a qualidade da democracia, ou seja, sobre o tipo de democracia que se vive e que está a ser introduzida em Portugal.Há uma afirmação feita pelo ministro Rui Pereira, na tribuna parlamentar, que resume o debate: "A liberdade e a segurança são duas faces da mesma moeda. O exercício de direitos tem limites". Aqui está contido todo o problema que se vive hoje sobre o que é democracia e o que é a essência da democracia, a liberdade. E é lapidar que, para o Governo do PS, a segurança prevalece sobre a liberdade. A liberdade é relativa. Sempre. Por isso a liberdade é frágil. Não há liberdade absoluta. E até a cultura popular já introduziu o conceito: "A minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro". Também é indefensável a ideia de que há liberdade sem segurança. Claro que não há. Se não me sentir segura, não exerço a minha liberdade em pleno direito.Mas o grande debate, o grande desafio que se coloca às sociedades democráticas hoje é saber qual o ponto de equilíbrio entre estes dois conceitos. E qual o ponto de não retorno do descambar num Estado autoritário, policial - e atenção que não estamos a falar de regresso à ditadura, é demagógico e irrealista sustentar que questionar a defesa de um Estado policial significa uma acusação de tentativa de regresso à ditadura de Salazar ou a implantação de qualquer outra ditadura.É por isso que é ridículo e até desonesto intelectualmente ouvir o que disse, a encerrar a discussão plenária, Alberto Costa, outro ministro que deu a cara pelo Governo neste debate - é interessante perceber que o executivo dá tanta prevalência à Segurança Interna sobre a Justiça como pilar caracterizador da qualidade da democracia, que o ministro que esteve em primeiro plano no hemiciclo foi Rui Pereira.E soa quase a provocação ouvir Alberto Costa perguntar se alguém acredita que a liberdade está em causa em Portugal. Claro que o que está em causa em Portugal, com a atitude securitária, intimidatória, com a tentativa de regresso de uma cultura de medo, não é, como muito bem sabe Alberto Costa, a existência de liberdade, mas, sim, qual o tipo de liberdade e a liberdade em que essa liberdade pode ser vivida. E é tanto mais absurdo ver esta entorse à questão ser feito por Alberto Costa, quanto Alberto Costa viveu na pele o que é o Estado policial, o autoritarismo da ditadura de Salazar e sabe pessoalmente o que foi a PIDE/DGS. Por isso, Alberto Costa sabe, cristalinamente, que não é correcto fazer confusões e demagogias como as que estão inerentes à pergunta que despudoradamente fez na Assembleia.Assim como sabe que não é normal que uma manifestação, legalmente autorizada pelo governo civil, deve ser protegida pela polícia como um acto de exercício de direitos e deveres de cidadania e de democracia. E não vigiada, policiada. E não com os agentes da autoridade a questionarem os participantes, a identificarem os manifestantes como se de criminosos se tratasse. Por isso, Alberto Costa devia ter pensado duas vezes antes de perguntar o que perguntou. Sobretudo, porque o fez depois de o seu colega ministro da Administração Interna ter afirmado que a polícia só identifica suspeitos de crime e, se houver abusos, deve ser feita queixa da polícia, quando a questão da identificação de manifestantes lhe foi colocada pela deputada do Partido "Os Verdes", Heloísa Apolónia.É que é no mínimo estranho ver ministros de um Governo do PS defender que a polícia só identifica suspeitos de crime, quando se está a falar do exercício do direito constitucional de manifestação. Isto porque, do ponto de vista teórico, é possível tirar a conclusão de que, se Rui Pereira disse aquilo e não afastou liminarmente a possibilidade de identificação numa manifestação legalmente autorizada, é porque considera que, teoricamente, um manifestante pode estar a cometer um crime. Logo, Alberto Costa pensa o mesmo. Logo, todo o Governo, que Rui Pereira representava naquele momento, pensa o mesmo.E é de facto relativizar a relatividade já de si inerente à liberdade considerar como normal que um representante da autoridade do Estado, numa manifestação, em vez de proteger o cidadão no exercício pleno desse seu direito constitucional e democrático, possa dirigir-se-lhe como suspeito de crime. Jornalista
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(Remetido de DEMOCRACIA E LIBERDADE)

sábado, 17 de novembro de 2007

A ORIGEM DO FACILITISMO




SX 16NOV07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO/CARTAS AO DIRECTOR





Notas a Português

No início da década de 80, pedia-se aos professores que para impedir o "chumbo" definissem "objectivos mínimos" a cumprir pelos alunos, que se elaborasse na sala de aula uma gramática, com as "coisinhas mais importantes", deixando-se de aconselhar a sua compra e que se respeitasse a diferença programática entre "conhecimento activo" e "conhecimento passivo". Foi este contínuo acelerar, ao longo do tempo, no facilitismo e no discurso miserabilista, que encontravam já justificação em teorias pedagógicas, que determinou a passagem de alunos sem saber ler ou escrever, deficiências nunca corrigidas e as quais, acentuando-se ao longo do tempo, provocaram o descalabro do abandono escolar e dos maus resultados em exames.

É, no mínimo, estranho que face aos resultados das provas de aferição de Português dos 4.º e 6.º anos, o prof. Paulo Feytor Pinto [P.F.P.] * continue a bater na mesma tecla da culpabilização da literatura e da gramática, para assim justificar não só a leitura de um rótulo de garrafa ou de um atestado médico ou de um requerimento, na sala de aula, mas também a adopção da famosa e aberrante TLEBS. Não se sabe gramática no 6º ano, porque na primária, com programas esvaziados de conteúdo, se facilitou o ensino "das coisinhas mais importantes", sem qualquer tipo de rigor pelo estudo, para além de se ter desvalorizado a memória, "porque era fascista".

Esquecer-se-á Paulo F. Pinto que as boas notas nos exames do 9.º ano, de uma facilidade vergonhosa, foram aplaudidas pela Associação de Professores de Português pois "respeitavam o perfil dos alunos"?
Não se preocupa com o facto de se substituir, no exame, Os Lusíadas por um texto pragmático e outros do género? É isso que responde "ao perfil do aluno"? E o que dirá de uma receita de culinária na prova de aferição do 6º ano, em que os alunos foram convidados a descodificar o "q.b."? Quanto à "anarquia terminológica", não esqueça P.F.P. que foram as experiências linguísticas, generativa e outras, que trouxeram o caos à terminologia gramatical e a TLEBS, outra experiência de mau gosto, só veio acentuá-lo. A TLEBS é a resposta salvadora à "complexidade de conteúdos gramaticais no 6.ºano"? Dominem os alunos os conceitos gramaticais do 1º ciclo e a evolução do seu saber far-se-á harmoniosamente e sem problemas. O mesmo acontecerá com a leitura e a escrita.

Maria do Carmo Vieira
Lisboa



* Já que citado, convém esclarecer que se trata do Presidente da Associação de Professores de Português


(Remetido de FACILITISMO)

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domingo, 28 de outubro de 2007

"DA MENTIRA COMO VIRTUDE POLÍTICA"




ESPAÇO PÚBLICO
DM 28OUT07

Da mentira como virtude política

28.10.2007, António Barreto Retrato da Semana
A democracia vive hoje da mentira. Sob todas as suas formas: ocultação, contradição, correcção, circunstância superveniente ou melhor ponderação
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Há os que sabem tudo e hoje dirão: "Os políticos sempre mentiram." Pode por isso parecer ingénuo ficar surpreendido com o modo como a mentira se instalou na vida política. Mas a verdade é que o hábito vem ganhando contornos inéditos. Quase todos a usam. Quase todos a perdoam. A mentira é corrente. Ganhou novas feições. É por vezes obrigatória. Recomendável, de qualquer maneira. Até sinal de esperteza. Nas relações humanas e familiares, a mentira é castigada. Nos empregos, condenada. Na justiça, apesar de o perjúrio ser olhado com complacência, é mal vista. Mas na política... Na política... É apreciada. Se um político mente para dar emprego aos seguidores, derrotar os adversários ou enganar parceiros, o seu gesto tem todas as probabilidades de ser festejado.
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A mentira, a fria mentira transformou-se em instrumento de governo. Há muito que os políticos mentem, aqui e ali. Mas sempre com alguma má consciência. Ou desculpa. Ou sentimento de culpa. Agora as coisas mudaram: mentir é possível, simples e necessário. Sem remorsos nem correcção. Se a intenção é boa, qualquer meio serve e a mentira é necessária. Com a guerra do Iraque, ficou consagrado o direito dos governantes à mentira.
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Há quem pense que a mentira é reservada às ditaduras. Sem imprensa livre, escrutínio parlamentar ou oposição legal, qualquer ditador mente quanto e quando lhe apetece. Isso é verdade. Com a democracia, tudo seria diferente. A liberdade de expressão e a imprensa seriam suficientes para conter a mentira. O Parlamento, os partidos e as associações de interesses obrigariam os governos a dizer a verdade. As eleições seriam um correctivo para os políticos mentirosos: exigentes, os eleitores castigá-los-iam. Infelizmente, nada disto é verdade. A democracia vive hoje da mentira. Sob todas as suas formas: ocultação, contradição, correcção, circunstância superveniente ou melhor ponderação. A política tem regras parecidas com as que vigoram no futebol, nalguns negócios e na guerra: o único critério importante é ganhar. Só são condenados os que mentem e perdem. Os que mentem e ganham são respeitados.
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Não aumentar os impostos é uma mentira clássica. Criar emprego é outra. Tal como aumentar as pensões e os abonos de família. Durão Barroso e José Sócrates, por exemplo, oferecem-nos ilustrações inesquecíveis deste género de mentiras. Apesar de totalmente irresponsáveis, as promessas de criação de empregos teriam uma desculpa: as dificuldades económicas tê-los-ão impedido de concretizar tão gloriosas promessas. É demagogia, mas chama-se-lhe mentira piedosa. Com os impostos, a experiência é mais radical. Os candidatos a primeiro-ministro garantiram, um que baixava os impostos, outro que os não aumentava. Ambos decretaram sólidos aumentos dias ou semanas depois de tomarem posse. As desculpas não se fizeram esperar: não sabiam que a situação financeira do país era tão grave quanto a encontraram! É extraordinário como, para desculpar uma mentira, os primeiros-ministros não se importaram de se confessar ignorantes, incompetentes e irresponsáveis!
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Durão Barroso prometeu, antes das eleições, "um choque fiscal" e garantiu que diminuiria os impostos, sobretudo os que incidem sobre as empresas. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passam por ser outra coisa - correcções motivadas pelo conhecimento dos números e dos factos. José Sócrates garantiu, antes das eleições, que diminuiria o número de funcionários públicos em dezenas de milhares, que criaria 150.000 empregos e que não aumentaria os impostos. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passaram por inocentes necessidades.
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O PSD e o PS têm, a propósito dos referendos em geral e do referendo europeu em particular, uma longa folha de serviço de mentiras e negações. Já foram a favor e contra várias vezes. O critério é o das conveniências, não o do programa ou da convicção. Se o referendo incomoda o adversário, são a favor. Se correm riscos, são contra. Se a matéria causa mal-estar dentro do partido, são a favor. Se têm de submeter os seus projectos à vontade popular, são contra. Actualmente, está nos programas do PS e do PSD, consta das promessas eleitorais de um e de outro, faz parte do programa do Governo de José Sócrates.

Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento

Nada disso tem qualquer importância. O PSD é agora contra. E os dirigentes do PS, incluindo alguns ministros, já são contra. Quanto ao primeiro-ministro, só se pode pronunciar em Janeiro, o que é uma desculpa infantil. A verdade é que esta é a mais frequente das variedades da mentira, mas que parece também ter o perdão da opinião pública e a desatenção da imprensa. Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento.
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Será esta mais uma triste sina portuguesa? Nem sequer. A mentira tem-se transformado, nestas décadas, na moeda comum das democracias ocidentais. A guerra do Iraque é, a este propósito, um caso para estudo. As mentiras de George Bush e Tony Blair, dos seus governos e serviços de informação, ultrapassaram tudo o que se conhecia. Sobretudo pelas consequências mortais para tanta gente. Ao lado, as mentiras de George Bush pai, sobre os impostos, de Nixon, sobre tudo, ou de Clinton, sobre o sexo, foram quase inocentes.
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Quanto à União Europeia, nem precisa de mentir: os seus ministros usam e abusam do novo hábito. O ministro Manuel Pinho confirmou que a mentira tem vigorado com rigor na União Europeia. Diz ele, em artigo do Diário de Notícias (de que é co-signatário com dois comissários da UE): "A partir de agora, o que a Europa faz e o que a Europa diz são uma e a mesma coisa"! Ficámos a saber, por vozes autorizadas, que a União mentia. Só não sabemos é se esta declaração não passa de mais uma mentira.
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Será possível contrariar esta nefasta tendência para a mentira? É difícil. Não há esperança nos deputados. Como estes se tratam sempre, uns aos outros, de mentirosos, já ninguém acredita. Se os nossos media escritos, falados ou televisivos, estivessem à altura, talvez a sucessão de mentiras não fosse tão rica. Mas também parece que, com frequência crescente, gostam do novo hábito. Que usam com volúpia. Ou perdoam com malícia.




Remetido de “A MENTIRA E A POLÍTICA”

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

"AINDA OS CAPELÃES"





TR 09OUT07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO



Ainda os capelães

09.10.2007, Vital Moreira
Era exigível aos acusadores e comentadores uma verificação dos dados, antes de veicular ideias falsas

Há muito tempo que não existia uma campanha política assim - a da Igreja Católica e seus apoiantes contra a reforma do regime de assistência religiosa nos hospitais -, baseada na desinformação ostensiva, no alarme infundado e na ameaça despropositada. De facto, o mais extraordinário nesta ofensiva foi o recurso a flagrantes falsificações sobre o conteúdo da revisão proposta.Subitamente, os cidadãos foram alertados para um nefando projecto governamental que, no mínimo, vinha dificultar e, no máximo, vinha extinguir a assistência religiosa. O Correio da Manhã foi ao ponto de relatar que "o cardeal-patriarca de Lisboa criticou ontem o Governo por causa do diploma que prevê o fim dos capelães nos quadros hospitalares, cessando igualmente a assistência espiritual aos doentes internados (...)". Havia pelo menos três acusações repetidas à saciedade: (i) que os capelães pagos pelo Estado iam ser despedidos; (ii) que só teriam assistência religiosa os doentes que o pedissem pessoalmente por escrito; (iii) e que só haveria assistência religiosa no horário das visitas. Aos interessados seguiram-se os prosélitos. Na sua prática dominical da RTP Marcelo Rebelo de Sousa condenou as supostas intenções de reduzir a assistência religiosa às horas das visitas (mesmo em situações de urgência), ou de a disponibilizar somente a quem pessoalmente solicitasse por escrito (mesmo em situações de impossibilidade pessoal). Aqui, no PÚBLICO, Graça Franco denunciou e verberou a impossibilidade de o doente ser "substituído por familiares, amigos ou funcionários hospitalares". E aos prosélitos seguiram-se os comentadores de várias extracções, que, sem se questionarem sobre a credibilidade das acusações, se apressaram a verberar uma imaginária ofensiva "laicista" e "jacobina" contra a Igreja Católica e contra os direitos dos doentes internados nos hospitais.O problema é que se tratava de excesso de imaginação e invenção dos interessados. Afinal, o projecto governamental não contém nenhum dos alegados aspectos. Extingue para o futuro o regime das capelanias, mas mantém as que existem até que vaguem, ao mesmo tempo que o novo regime assegura o pagamento dos serviços de assistência em si mesmos. Também não exige uma solicitação pessoal dos próprios doentes, antes permite explicitamente que o pedido seja feito por familiares ou amigos próximos, para além de que a assistência pode ser prestada por iniciativa dos próprios ministros do culto, sem solicitação específica dos doentes (ou de outrem), sempre que estes tenham indicado, querendo, a sua religião para efeitos de assistência religiosa. E tampouco limita a assistência ao horário das visitas; pelo contrário, estabelece explicitamente que ela pode ocorrer em qualquer altura em que seja solicitada, preferencialmente fora das horas das visitas. É certo que, incompreensivelmente, o Ministério da Saúde não se deu ao trabalho de responder às falsidades espalhadas, nem sequer disponibilizou publicamente o projecto de diploma. Mas era evidente para qualquer espírito despreconcebido que pelo menos algumas das acusações (como a respeitante ao horário da assistência religiosa ou à impossibilidade de o pedido de assistência ser feito por outrem em caso de impossibilidade do doente) não podiam ser verdadeiras. Era exigível por parte dos acusadores e comentadores uma obrigação de verificação dos dados, antes de veicular ideias falsas e de alinhar com uma campanha pouco séria contra um projecto que desconheciam. De resto, também não são procedentes duas objecções contra soluções efectivamente constantes do projecto governamental, a saber, a exigência de pedido por escrito e a proibição de os profissionais de saúde interferirem no pedido de assistência religiosa. A primeira objecção ainda pode fazer algum sentido, na medida em que pode haver outras formas de expressar o pedido, embora menos seguras e inequívocas. Mas não se deve esquecer que o projecto de diploma não exige uma solicitação específica para cada acto de assistência religiosa, bastando que no registo de entrada o doente ou seu acompanhante declare a sua religião para efeitos de assistência religiosa, o que habilita o respectivo ministro do culto a dirigir-se ao doente, sem qualquer pedido adicional. Já a segunda objecção não faz qualquer sentido. No exercício da sua missão, os profissionais de saúde estão vinculados ao mesmo dever de neutralidade religiosa do Estado. Além disso, admitir que eles pudessem interferir nesta matéria, seria dar lugar a toda a espécie de abusos, seja ao proselitismo religioso dos profissionais crentes ou ao proselitismo anti-religioso dos profissionais agnósticos ou ateus. Um dos aspectos mais censuráveis do projecto governamental é a remuneração dos serviços de assistência religiosa pelo Estado. Se, fora dos hospitais, a assistência religiosa constitui um encargo dos interessados, por que é que, no caso dos internados num estabelecimento público, esse serviço passa a ser suportado pelo Estado? O Estado só deve remunerar ou subsidiar actividades que fazem parte das suas atribuições ou que ele tem obrigação de apoiar ou fomentar. Ora, num Estado laico, a assistência religiosa não é uma tarefa do Estado, nem pode fazer parte da sua missão. Por isso, é manifestamente ilegítimo o gasto de recursos públicos numa actividade a que o Estado deve ser alheio.Em toda esta polémica, se a Igreja Católica continua fiel à sua tradição "constantiniana", já não se entende a posição de cedência do Estado.

A abertura da assistência religiosa aos crentes de todas as religiões e a extinção dos capelães oficiais vêm com 30 anos de atraso

Quanto à Igreja, seria ilusório esperar que prescindisse sem resistência de prerrogativas e de benesses oficiais, que abdicasse do estatuto de capelães oficiais, funcionalizados e remunerados pelo Estado, e que assumisse a assistência religiosa como tarefa exclusivamente sua, e não do Estado. Mas as coisas são como são. Vem longe o dia em que a Igreja Católica renuncie a instrumentalizar o Estado ao seu serviço e a largar o lugar cativo à mesa do Orçamento.Já se entende menos a constante posição defensiva do Estado. A abertura da assistência religiosa aos crentes de todas as religiões e a extinção dos capelães oficiais vêm com 30 anos de atraso. Trata-se não só de pôr fim a uma situação de privilégio indevido, em flagrante violação do princípio da separação, mas também de corrigir uma iniquidade contra as demais religiões, além da católica. Com a presente iniciativa, o Governo faz o que há muito deveria ter feito, a saber, assegurar o direito à assistência religiosa a todas as religiões, facilitar a todas elas a satisfação das necessidades religiosas dos seus crentes e, last but not the least, garantir o respeito pela liberdade individual dos não crentes. Não tem de fazer mais do que isso, nem deve. Professor universitário




(Texto e destaques do próprio periódico, de que faço uma pequena introdução no FLASH: “NOVOS "ENTORSE" E GROSSEIRA DESFOCAGEM DA IGREJA CATÓLICA”)


quarta-feira, 3 de outubro de 2007

“BIRMÂNIA: UMA ESCOLHA FÁCIL”




SG 02OUT07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO

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Birmânia: uma escolha fácil
02.10.2007, José Vítor Malheiros

Se a Europa não for a Europa dos direitos humanos será apenas uma designação geográfica

Não há, de entre aqueles países que possamos considerar como politicamente respeitáveis, nenhum que recuse a classificação da Birmânia como uma ditadura. Os dirigentes militares tomaram o poder pela força, o país não possui partidos políticos (a Liga Nacional pela Democracia de Aung San Suu Kyi e os pequenos grupos da oposição estão proibidos de manter actividade política), não realiza eleições (nas últimas que foram realizadas, em 1990, a junta militar recusou-se pura e simplesmente a acatar o resultado), sofreu um empobrecimento violento ao longo dos 45 anos de ditadura, obriga ao exílio ou mata os oposicionistas, mantém em condições degradantes mais de mil presos políticos, usa de forma sistemática a tortura e as execuções extrajudiciais nos seus opositores, mantém em cativeiro a Prémio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi sem que esta tenha cometido ou seja acusada de cometer qualquer crime que não defender os direitos humanos e a democracia, recorre ao trabalho infantil e a trabalho escravo para manter uma actividade económica da qual apenas um pequeno grupo de oligarcas (militares ou da sua entourage) beneficiam, explora em benefício da mesma oligarquia as riquezas naturais do país (gás, petróleo, madeiras), não tem imprensa livre nem liberdade de expressão, tolera a actividade de redes transnacionais de escravatura sexual, é acusado de crimes contra a humanidade pela sua repressão brutal de minorias étnicas, recusa visitas de organizações de defesa dos direitos humanos, é o segundo produtor do ópio traficado no mundo (produção e exportação que está a crescer), é um dos países por onde passa uma parte substancial da lavagem de dinheiro internacional, etc. Em resumo: o país está na mão de ditadores corruptos sem o mínimo escrúpulo que não olham a meios para se manter no poder e para se enriquecer. O seu desrespeito pelos direitos humanos e a sua indiferença pela condenação internacional são evidentes.Neste mesmo país, temos, do lado da oposição, um grande partido que recolheu uma expressiva maioria absoluta de votos nas últimas eleições, dirigido por uma figura que congrega a admiração de todos os líderes políticos e das opiniões públicas ocidentais, que advoga a democracia e que tem adoptado até agora a não-violência como sua prática - mesmo quando os soldados disparam à queima-roupa sobre os manifestantes. Temos entre os opositores ao regime os monges budistas, o grupo social mais respeitado no país, que se têm manifestado pacificamente nas ruas, apelando à população para que se manifeste de forma não-violenta, oferecendo-se como alvos à brutalidade policial.Se há situações onde é fácil saber de que lado se deve estar, esta é uma delas. E é evidente que essa escolha impõe um dever de acção.É perante situações como esta (ou como o conflito do Darfur, com as suas centenas de milhares de vítimas inocentes) que se torna gritante a ausência de visibilidade da política externa europeia e chocante a timidez da que existe - sempre hesitante entre os seus próprios interesses comerciais; o equilíbrio entre os vários Estados-membros, os Estados Unidos, a Rússia e a China; e um profundo desejo de evitar riscos e gastos.Não tem sentido defender a Europa como a sede dos direitos humanos nem sequer evocar essa preocupação se ela não se estender à sua política externa e mais: se não for o móbil que lhe dá forma. É triste ouvir George W. Bush na ONU apelar ao despertar das consciências sobre a Birmânia sem que a Europa tenha conseguido fazer algo de longinquamente semelhante - em impacto ou clareza. Se a Europa não for a Europa dos direitos humanos será apenas uma designação geográfica. Os direitos humanos, a democracia e a liberdade são a alma da Europa e não pode interessar à Europa ganhar o mundo inteiro e ficar nas boas graças de Moscovo, de Pequim e de Nova Deli se com isso perder a sua alma.A Birmânia (e o Darfur) são daquelas causas que nenhuma consideração pragmática justifica abandonar ou negligenciar. Penso que é essa a convicção da maioria dos cidadãos europeus. Pelo meu lado, sei que é dessa Europa de que eu faço parte e de mais nenhuma. Jornalista



Ver a introdução a este artigo em
BIRMÂNIA

sábado, 28 de julho de 2007

“ENFIM, SÓ!”

Tem sido objecto de muitas citações. Como tem sido transcrito em muitos posts e mails.
É, de facto, um texto paradigmático quanto a um sentir, na época que vivemos.
Daí o merecer integrar o APOSTILA.

É um artigo de António Barreto, na sua coluna periódica do Público, em matéria de opinião, “Retrato da Semana”, na edição de 27 de Maio do ano que corre, intitulado Enfim, só!
É uma análise serena, tão mordaz como impiedosa e tão impiedosa como merecida.
É o indivíduo e o político por uma pena. Um retrato soberbo pela grande qualidade do observador-autor.
(…)












DM 27MAI07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO


Retrato da Semana






«Enfim, só!
27.05.2007, António Barreto

Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si

A saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam. Entre estes, está o facto de o candidato à autarquia se ter afastado do governo e do partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal. A ponto de, com zelo, se exceder: prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos.

Onde estão os políticos socialistas? Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado? Uns saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro. Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo. Manuel Alegre resiste, mas já não conta. Medeiros Ferreira ensina e escreve. Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão. Almeida Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida independente. Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice. O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda.

Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates. Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento. Mas nada de essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino são pura diversão. E não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais. Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente. Mas tratava-se, politicamente, de questão menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá.

O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações.

Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade.»




(Veja em RETRATO, no N&R desta mesma data, o resto do texto introdutório)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

“OS BUFOS...”

P

Público.pt

DM 08JUL07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO

Editorial

Os bufos e o aparelho dos partidos

08.07.2007

Ao contrário de Guterres, que, no primeiro dia, pôs os boys no seu devido lugar, Sócrates e os seus ministros nada fizeram para convencer os militantes de que não é assumindo o papel de agentes infiltrados que melhor servem o partido e o país

Fernando Charrua, funcionário da DREN, ou Maria Celeste Cardoso, a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho que o ministro de Saúde exonerou, não são vítimas de um qualquer fenómeno que chegou de surpresa para criar um clima de delação nas repartições públicas do país. Nada indica que os seus casos tivessem chegado ao Governo em consequência de qualquer acto político deliberadamente aprovado para apertar a censura, verificar os delitos de opinião e exercer coacção sobre a liberdade de pensamento e de expressão dos cidadãos. É também improvável que viessem a ser alvo de processos disciplinares ou de exoneração se, por acaso, fizessem parte da rede de cumplicidades e interesses que se agregam em torno do partido no poder. Se a democracia está suficientemente consolidada para travar a bufaria institucionalizada, não é ainda madura ao ponto de evitar que o espírito bafiento e persecutório que os aparelhos partidários cultivaram nos últimos anos contamine o espaço público.
Quando Manuel Alegre diz que há pouco PS no Governo, ilumina-o esse velho espírito republicano que emula o debate livre, o empenho nas coisas públicas ou a necessidade de encarar a governação como uma responsabilidade de todos. O problema é que os partidos que em tempos cultivaram essas vocações estão moribundos e as parcas energias que lhes restam não estão orientadas para a discussão da polis. O PS, o PSD e os demais partidos deixaram há muito de angariar inteligência, de mobilizar ideias, de participar na discussão livre dos temas da agenda nacional. Pelo contrário, transformaram-
-se em simples máquinas facciosas que, quando chegam ao poder, se transformam em eficientes redes de disputa de cargos para os seus. O PS actual não é diferente. Com a elite do partido a governar ou a apoiar a governação no Parlamento, o aglomerado de aparatchiks que estão na base dedica-se a zelar pela obediência aos chefes, a acumular pequenos poderes, a espreitar a oportunidade de ocupar cargos e, obviamente, a remover do funcionalismo todos os que lhes possam travar a ambição. Ideias, propostas, debate? Essa é função para intelectuais. Alguém se lembra de uma intervenção relevante sobre o país de um presidente de uma federação distrital do PS?

Treinados a combater dissidências e a não criticar as hierarquias, muitos desses militantes encontraram na era Sócrates o lugar e o tempo ideais para transportar para a esfera do Estado a prática controleira e intolerante que foram aperfeiçoando nos corredores da vida partidária. São eles quem denuncia ao chefe a crítica (ou o insulto) que um estranho ao grupo faz no recato de um gabinete. São eles quem informa sobre toda e qualquer manifestação de desagrado ao poder. São eles que, pela sua simples existência, vão criando uma rede vigilante e intimidatória que institui o silêncio, fomenta a subserviência e premeia a delação. Um pouco por todo o lado, mas principalmente longe das grandes cidades, este ambiente de vigilância e de medo está a ameaçar dois dos bens que mais nos faltam: o da responsabilidade individual e o da autonomia.
Este risco, que o velho PS critica, não está a ser devidamente avaliado pelo Governo. Ao acolher e ao validar as denúncias, Sócrates e os seus ministros não estão a zelar pela autoridade do Estado ou a fazer cumprir os procedimentos disciplinares: estão, em primeiro lugar, a dizer aos militantes do PS que podem ser donos de um poder de censura legitimado pelo Governo.
Ao contrário de Guterres, que, no primeiro dia, pôs os boys no seu devido lugar, Sócrates e os seus ministros nada fizeram para convencer os militantes de que não é assumindo o papel de agentes infiltrados que melhor servem o partido e o país. Se a peste da bufaria continuar a grassar, grande parte da responsabilidade pelos seus efeitos terá um destinatário óbvio: o Governo. Manuel Carvalho

Ver o post, com este relacionado, no N&R desta mesma data, sob o título HÁ ALGUM PS NO GOVERNO?


domingo, 8 de julho de 2007

CENSURA!

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Público.pt

SB 07JUL07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO

De repente, acordámos e o

país é outro. O clima de

medo e delação está

instalado

Um sono profundo

07.07.2007,

São José Almeida

A Semana Política

Tenho um amigo, o Paulo Vidigal, dono de raro espírito de observação e de crítica, que pratica com uma sofisticada mordacidade e uma requintada ironia. Um dia destes, no final de um muito conversado jantar, o Paulo olha para mim e diz: "Sabes? As revoluções de esquerda são muito sonoras, vêm para a rua, fazem a festa, deitam foguetes, apanham as canas e vão-se embora. A direita não. Adormecemos descansados, embalados na história da bela democracia, e, quando acordamos, os gajos já estão instalados."
- Fernando Portel, director do Hospital de São João da Madeira há 17 anos e presidente da assembleia municipal eleito pelo PSD, foi afastado por ter criticado as reformas na saúde, durante o período de discussão pública das mesmas.
- Maria Celeste Cardoso, directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, foi demitida do cargo, porque não retirou um cartaz da sala de espera do centro de saúde, onde o ministro era alvo de sátira. O cartaz foi aí colocado pelo médico Salgado Almeida, que é também vereador da CDU em Guimarães. O cartaz constava de uma notícia onde o ministro afirmava nunca ter ido a um SAP e tinha acrescentado à mão um apelo aos utentes para fazerem o mesmo. Na nota de exoneração da directora do centro lê-se: "Violou o dever de lealdade e também o poder de imparcialidade e isenções políticas."
- A directora regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, instaurou um processo disciplinar ao professor destacado Fernando Charrua, por este ter dito uma piada sobre o primeiro-ministro, José Sócrates, durante uma conversa a três, à hora do almoço, com outros funcionários da direcção-geral. Margarida Moreira agiu depois de ter recebido a delação por SMS.

- O director-geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular expulsou a Associação de Professores de Matemática da Comissão de Acompanhamento do Plano da Matemática. A razão foi o facto de a associação ter criticado a ministra da Educação.
- António Balbino Caldeira, autor do blogue Portugal Profundo, é arguido de uma queixa-crime que foi apresentada por José Sócrates. O motivo é o que António Balbino Caldeira escreveu e divulgou no seu blogue sobre a licenciatura do primeiro-ministro.
- Circula actualmente nas redacções dos jornais e outros órgãos de comunicação social um abaixo-assinado promovido por um grupo de jornalistas, o Movimento Informação e Liberdade, que rejeita o conjunto de regras já aprovadas e em aprovação pelo Governo - leis da Rádio e da Televisão, Estatuto dos Jornalistas, lei anticoncentração dos meios de comunicação social, Código Penal - que mais não fazem do que tentar limitar e cercear o livre exercício do jornalismo e da liberdade de informar, chegando ao ponto de impor a violação do segredo profissional, ou seja, a denúncia de fontes.


imagem do PÚBLICO



A liberdade de opinião, de expressão, de pensamento está a ser atacada em Portugal e o país assiste calado. Dormita. Vai dormindo


Quando e como mudou o país enquanto dormíamos?
De repente, acordámos e o país é outro. O clima de medo e delação está instalado. Na função pública principalmente, mas não só. Interiorizam-se comportamentos de pavor de se vir a ser perseguido, castigado, subtilmente colocado numa lista de excedentes, caso se diga algo que seja visto pelo chefe como negativo ou subversivo.
"O dever de lealdade e também o poder de imparcialidade e isenções políticas", como na nota que demitiu Maria Celeste Cardoso, têm agora um novo significado, o da fidelidade canina, da obediência cega e sem limites, do yes, minister acrítico, da bajulação subserviente. O clima de autoritarismo e de arbitrariedade alastra. E a delação, a denúncia, o bufo, o pide é o instrumento a que se recorre e estimula.
A liberdade de expressão é atacada e cerceada. Um blogue é posto em causa e o seu autor denunciado como criminoso, porque tem opinião sobre factos que estão anunciados, noticiados e documentados, só porque em causa está o primeiro-ministro, que, pelos vistos, não gosta que o questionem.
Os jornalistas são domesticados pela lei. Calados pelo medo. Avisados de que o poder político está disposto a impor regras arbitrárias e antidemocráticas para não ser questionado nem incomodado.
Isto pela mão do PS. Partido que foi historicamente o paladino da liberdade antes e depois do 25 de Abril. E que hoje, comprovadamente, é outro partido. Um PS novo, onde parte festeja, ufano, porque acha que apenas está em causa o desenrolar da desejadíssima operação de substituir os boys e as girls do PSD pelos do PS. E na sua mediana tacanhez, ignorância e mediocridade nem percebem o sentido último e maior do que se anuncia. Outra parte come e cala, não rejubila, mas acha normal. Do velho e defunto PS, apenas Manuel Alegre se rebela e Mário Soares critica. E Vera Jardim mostra-se incomodado, mas acaba por justificar em nome do poder.
A liberdade de opinião, de expressão, de pensamento está a ser atacada em Portugal e o país assiste calado. Dormita. Vai dormindo.
Entretanto, a revolução avança. Uma revolução silenciosa. Uma revolução feita de cima para baixo, imposta pela classe dirigente, pela nova aristocracia, contra os que só trabalham. Uma revolução que tem como finalidade retirar os direitos sociais, económicos e, pelo que se vê, até cívicos e políticos. Através da instauração de um clima de medo. Precisamente, para que não haja resistência. Para que não exista contestação. Para que ninguém questione. Para que ninguém exija.
Um dia, quando acordarmos deste sono profundo em que nos deixámos cair, as pessoas e o seu bem-estar serão passado, farão parte da história, como uma peculiaridade europeia do pós-guerra. E os novos deuses reinarão: o lucro, o dinheiro, a especulação, o mercado. Jornalista

Ver o post, com este relacionado, no N&R desta mesma data, sob o título PARTIDO SOCIALISTA? ISTO?


terça-feira, 3 de julho de 2007

“A UNIÃO”


Público.pt

SG 02JUL07

OPINIÃO/PINGUE-PONGUE

A União

02.07.2007, Rui Tavares

Enquanto alguém vai para o trabalho de bicicleta em Amesterdão, um coro ensaia na Estónia e um barco pesca em Malta. Turistas esperam para entrar num museu de Florença. Turcos vendem kebab em Edimburgo. Estudantes de Frankfurt passam o seu Erasmus em Istambul, esforçando-se por dominar dois ou mesmo três idiomas. Pode comprar-se leite de rena na Lapónia ou houmous em Creta usando sempre a mesma moeda; melhor ainda, pode ir-se de um lugar ao outro sem mostrar o passaporte.
Quem diria? Para muitos, este é o retrato de um continente em decadência. Na verdade, todas as cidades e regiões atrás citadas (à
excepção de Istambul, que não está na UE mas cujo país já participa no programa Erasmus de troca de estudantes) fazem parte da mais interessante experiência política dos nossos tempos. São quase 500 milhões de humanos (só a China e a Índia têm mais população) numa extensão maior do que a de muitos impérios da história. Mas não é um império, é outra coisa, não se sabe bem o quê. Para muitos, deveria ser uma federação. Na verdade, pouco importa o que lhe chamemos. Eu sou um europeísta não por qualquer ufanismo europeu (na verdade estou mais próximo de um cabo-verdiano do que de um letão, e isso agrada-me) mas porque olhando para a União vejo que ela tem sido uma força de paz, liberdade e até alguma solidariedade. Com os seus muitos defeitos, a União está na primeira linha do Tribunal Penal Internacional, do Protocolo de Quioto, da cooperação e desenvolvimento. Nada disto é perfeito, mas pelo menos tenta-se.
Mas também sou um europeísta porque a União tem um grande futuro. Conheço bem, há muitos anos, as queixas dos europessimistas. Acho-as pouco convincentes. Que a União está velha (temos os velhos mais saudáveis e potencialmente mais produtivos do mundo). Que há muitos muçulmanos (que medo!, qualquer dia são quase três por cento). Que há poucos bebés (mas até os portugueses têm três meses de licença de parto paga, ao contrário dos norte-americanos). Que há imigrantes a mais (mas afinal não havia falta de gente em idade activa?). Que não faz parte da revolução tecnológica (só se inventou a Web, e em tempos mais recentes o Skype). Que está para trás na globalização (mas Londres, uma cidade da União, ultrapassou recentemente Nova Iorque como capital financeira do planeta). Enfim, que as regulamentações europeias são absurdas (mas graças a elas todo o mundo compra brinquedos mais seguros ou electrodomésticos menos poluentes).

Do lado europeísta, uma das coisas que mais se censuram à Europa é ela não ter exército nem hard power (assim em inglês "americano"). Isso não me preocupa. O "poder brando" é mais eficaz: os países que querem entrar sabem que têm de respeitar mínimos de democracia e direitos humanos. A União não exporta democracia à bomba, importa democracia com democracia. A questão que temos de resolver agora é: como manter a democracia dentro da União. A União não é uma utopia; é um compromisso. Mas deve ser, acima de tudo, um compromisso com a democracia. Ela é o nosso motor e o nosso horizonte; na falta de um cimento nacional ou linguístico, é a democracia que nos segura. É por isso que é difícil, exasperante até, ser europeísta com líderes europeus que têm medo da democracia.
Esquecem-se que irresponsável não é quem exige mais democracia, é quem foge a ela. Por mim, não me forcem a escolher entre os meus instintos europeístas e os meus instintos democráticos. Nesse caso, terei de preferir mais democracia com menos Europa a mais Europa com menos democracia.

(Ver o mesmo título no FLASH!)



domingo, 24 de junho de 2007

"OPA SOBRE O PAÍS"

Serenamente. Utilizando os temperos e mantendo o equilíbrio com que só alguns conseguem moldar uma prosa a um saber experiente, António Barreto, no seu Retrato da Semana, deste Domingo, fala-nos do que poderá ser entendido como uma OPA SOBRE O PAÍS. (...)

O texto que se segue (cujos destaques são do próprio periódico) tem uma breve introdução, nesta mesma data e sob este mesmo título, no Flash.






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Público.pt

DM 24JUN07

OPINIÃO

É a tentativa visível e crescente de o Governo tomar conta, orientar e vigiar. Quer saber tudo sobre todos. Quer controlar

OPA sobre o país

24.06.2007,

António Barreto

Retrato da Semana

Não. Não se trata do lançamento de mais uma OPA sobre empresa ou clube desportivo. É, simplesmente, a tentativa visível e crescente de o Governo tomar conta, orientar e vigiar. Quer saber tudo sobre todos. Quer controlar.
Quando o Governo de Sócrates iniciou as suas funções, percebeu-se imediatamente que a afirmação da autoridade política era uma preocupação prioritária. Depois de anos de hesitação, de adiamentos e de muita demagogia, o novo primeiro-ministro parecia disposto a mudar os hábitos locais. Devo dizer que a intenção não era desagradável. Merecia consideração. A democracia portuguesa necessita de autoridade, sem a qual está condenada. Lentamente, o esforço foi ganhando contornos. Mas, gradualmente também, foi-se percebendo que essa afirmação de autoridade recorria a métodos que muito deixavam a desejar. Sócrates irrita-se facilmente, não gosta de ser contrariado. Ninguém gosta, pois claro, mas há quem não se importe e ache mesmo que seja inevitável. O primeiro-ministro importa-se e pensa que tal pode ser evitado. Quanto mais não seja colocando as pessoas em situação de fragilidade, de receio ou de ameaça.

Vale a pena recordar, sumariamente, alguns dos instrumentos utilizados. A lei das chefias da Administração Pública, ditas de "confiança política" e cujos mandatos cessam com novas eleições, foi um gesto fundador. O bilhete de identidade "quase único" foi um sinal revelador. O Governo queria construir, paulatinamente, os mecanismos de controlo e informação. E quis significar à opinião que, nesse propósito, não brincava. A criação de um órgão de coordenação de todas as polícias parecia ser uma medida meramente técnica, mas percebeu-se que não era só isso. A colocação de tal organismo sob a tutela directa do primeiro-ministro veio esclarecer dúvidas. A revisão e reforma do estatuto do jornalista e da Entidade Reguladora para a Comunicação confirmaram um espírito. A exposição pública dos nomes de alguns devedores fiscais inscrevia-se nesta linha de conduta. Os apelos à delação de funcionários ultrapassaram as fronteiras da decência. O processo disciplinar instaurado contra um professor que terá "desabafado" ou "insultado" o primeiro-ministro mostrou intranquilidade e crispação, o que não é particularmente grave, mas é sobretudo um aviso e, talvez, o primeiro de uma série cujo âmbito se desconhece ainda. A criação, anunciada esta semana, de um ficheiro dos funcionários públicos com cruzamento de todas as informações relativas a esses cidadãos, incluindo pormenores da vida privada dos próprios e dos seus filhos, agrava e concretiza um plano inadmissível de ingerência do Estado na vida dos cidadãos. Finalmente, o processo que Sócrates intentou agora contra um "bloguista" que, há anos, iniciou o episódio dos "diplomas" universitários do primeiro-ministro é mais um passo numa construção que ainda não tem nome.

Não se trata de imperícia. Se fosse, já o rumo teria sido corrigido. Não são ventos de loucura. Se fossem, teriam sido como tal denunciados. Nem são caprichos. É uma intenção, é uma estratégia, é um plano minuciosamente preparado e meticulosamente posto em prática. Passo a passo. Com ordem de prioridades. Primeiro os instrumentos, depois as leis, a seguir as medidas práticas, finalmente os gestos. E toda a vida pública será abrangida. Não serão apenas a liberdade individual, os direitos e garantias dos cidadãos ou a liberdade de expressão que são atingidos. Serão também as políticas de toda a espécie, as financeiras e as de investimento, como as da saúde, da educação, administrativas e todas as outras. O que se passou com a Ota é bem significativo. Só o Presidente da República e as sondagens

O processo que Sócrates intentou agora contra um "bloguista" que, há anos, iniciou o episódio dos "diplomas" universitários do primeiro-ministro é mais um passo numa construção que ainda não tem nome

de opinião puseram termo, provisoriamente, note-se, a uma teimosia que se transformara numa pura irracionalidade. No país, já nem se discutem os méritos da questão em termos técnicos, sociais e económicos. O mesmo está em vias de acontecer com o TGV. E não se pense que o Governo não sabe explicar ou que mostra deficiências na sua política de comunicação. Não. O Governo, pelo contrário, sabe muito bem comunicar. Sabe falar com quem o ouve, gosta de informar quem o acata. Aprecia a companhia dos seus seguidores, do banqueiro de Estado e dos patrícios das empresas participadas. Só explica o que quer. Não explica o que não quer. E só informa sobre o que lhe convém, quando convém.

É verdade que o clima se agravou com o tempo. Nem tudo estava assim há dois anos. A aura de determinação cobria as deficiências de temperamento e as intenções de carácter. Mas dois conjuntos de factos precipitaram tudo. O caso dos diplomas e da Universidade Independente, a exibir uma extraordinária falta de maturidade. E o novo aeroporto de Lisboa, cujo atamancado processo de decisão e de informação deixou perplexo meio país. A posição angélica e imperial do primeiro-ministro determinado e firme abriu brechas. Seguiu-se o desassossego, para o qual temos agora uma moratória, não precisamente a concedida aos estudos do aeroporto, mas a indispensável ao exercício da presidência da União Europeia.

De qualquer modo, nada, nem sequer este plano de tutela dos direitos e da informação, justifica que quase todos os jornais, de referência ou não, dêem a notícia de que "o professor de Sócrates" foi pronunciado ou arguido ou acusado de corrupção ou do que quer que seja. Em título, em manchete ou em primeira página, foi esta a regra seguida pela maior parte da imprensa! Quando as redacções dos jornais não resistem à demagogia velhaca e sensacionalista, quase dão razão a quem pretende colocá-las sob tutela...



Ver "OPA SOBRE O PAÍS"





sexta-feira, 13 de abril de 2007

O CANUDO DE JOSÉ SÓCRATES

O CANUDO DE JOSÉ SÓCRATES

SÓCRATES

- o José

O país remergulhou na velha questão: Sócrates (o José), teria mesmo as habilitações que deixou proclamar... Ou tudo (como quase todo o resto) não passaria de fogo-fátuo?

A meio do (primeiro? Único?) mandato, as trombetas da televisão pública anunciaram a entrevista (por nomes de peso dos áudio e dos audiovisuais) com o actual primeiro-ministro sobre o estado da nação...

Mas não foi, não.

Porém, ninguém foi ao engano.

Na entrevista aconteceu, antes, o que todo mundo esperava: dissertou-se sobre os diplomas e os certificados, os canudos do José.

A entrevista foi ontem.

Hoje procurei a estátua do herói.

Mas só encontrei cacos.

Da área de acesso geral do PÚBLICO online copiei (corrigindo uma ou outra gralha ortográfica e repondo a ordem e o grafismo que apresenta no jornal impresso) os seguintes comentários

P

Público.pt

Qi 12ABR07

DESTAQUE/Comentários

Os diplomas de Sócrates

António Barreto

Simplesmente patético! Um primeiro-ministro a defender-se como um arguido! Um primeiro-ministro a considerar insinuações as mais legítimas dúvidas da imprensa e da opinião pública!
Um primeiro-ministro que acha normal que um deputado, ministro depois, se matricule em curso superior e obtenha diploma académico de recurso (feito em três universidades diferentes), ainda por cima em estabelecimento não reconhecido pela respectiva Ordem profissional!
Um primeiro-ministro que não percebe que um deputado e um membro do governo não têm os mesmos direitos, ou antes, as mesmas faculdades que os outros cidadãos e não podem nem devem apresentar-se como candidatos a cursos pós-laborais que lhe confiram estatuto académico a que aspiram!
Um primeiro-ministro que considera normal e desculpável que os seus documentos oficiais curriculares sejam corrigidos e alterados ao gosto das revelações públicas!
Era tão melhor julgar os políticos por razões políticas e não por motivos pessoais ou de carácter! São, infeliz e necessariamente, sinais dos tempos. Dinheiro, sexo, cultura, vida familiar, gosto e carácter transformaram-se em critérios de avaliação. O facto, gostemos ou não, faz parte das regras do jogo.
Com a política totalmente centrada na personalidade do líder, é natural que a totalidade da personalidade seja motivo de interesse e escrutínio. A ponto de, infelizmente, superar os fundamentos e os resultados da acção política. Sócrates está a pagar os custos desta nova tendência. E a verdade é que ele não soube, não quis ou não pôde matar o abcesso à nascença. O facto de o não ter feito avolumou o episódio. Ter dado à imprensa e à opinião pública espaço e tempo para deslindar o confuso mistério dos seus diplomas foi um erro fatal. Ter tentado exercer pressões sobre a imprensa e os jornalistas foi igualmente uma imperícia infantil. Ter a necessidade de mostrar diplomas na televisão revela uma situação em que a palavra já vale pouco e a confiança se esvai. Ter tentado justificar o facto de se matricular, como "humilde deputado", e de se graduar, como ministro, é inútil. Mas revela uma crença perigosa: a de que acha natural e legítimo que um deputado e um membro do governo possam fazer tudo isso!
É possível que este homem seja Primeiro-ministro mais dois anos ou até que consiga ser reeleito. Mas uma coisa é certa: a confiança está ferida. Ora, enquanto a utilidade pública vai e vem, a confiança, quando quebra, não tem cura. As feridas de carácter não cicatrizam.

Sócrates

Vasco Pulido Valente

O sr. primeiro-ministro negou ontem na televisão, indignadamente, que fosse "um especialista em relações públicas". Temos de o acreditar. Mas não há dúvida que ontem na televisão o sr. primeiro-ministro até pareceu "um especialista em relações públicas". Para começar, arrumou com brandura o caso da sua carreira académica, que afinal não é um caso. A Universidade Independente mandou e ele cumpriu. Quanto à burocracia, não sabe, nem se interessa. Quanto ao dr. António José Morais, que lhe "deu" quatro cadeiras, não o conhecia antes. Quanto ao resto, toda a sua vida de estudante só revela "nobreza de carácter", vontade de "melhorar" e de se "enriquecer" (intelectualmente). Um exemplo que ele, aliás, recomenda aos portugueses. Ponto final.
A minha ignorância não me permite contestar explicações tão, por assim dizer, "transparentes". Claro que nunca ouvi falar de um professor que "desse" quatro cadeiras no mesmo ano ao mesmo aluno, nem num reitor que ensinasse "inglês técnico", nem num conselho científico que fabricasse um "plano de estudos" para "acabar" uma licenciatura. Falha minha, com certeza. Se calhar, agora estas coisas são normais.
O sr. primeiro-ministro também declarou que ele e o seu gabinete não telefonam a jornalistas com a intenção malévola de os "pressionar". Pelo contrário, só os querem esclarecer. Ficamos cientes.
Fora isto, Sócrates demonstrou facilmente que o governo é óptimo e que ele é determinado, decidido, inabalável, responsável e bom. Portugal inteiro está, como lhe compete, agradecido.

O dois-em-um que não podia dar certo

Miguel Gaspar

O único momento verdadeiramente surpreendente da entrevista do primeiro-ministro à RTP foi quando explicou que escreve o pronome seu no fim das cartas, para ser como o inglês yours. Isso e a ideia de que, afinal, o substantivo engeheiro não designa uma competência mas sim um rótulo social definiram uma entrevista que valeu pelo que não se viu. Desde logo não se viu o balanço dos dois anos do Governo, que era a justificação da entrevista. Ora, gastou-se mais tempo com a Independente. A entrevista ou era uma coisa ou era outra. As duas, não podia ser. O dois-em-um não podia dar certo. José Alberto Carvalho conseguiu o tom certo numa conversa que o entrevistado queria de bom tom. Esforçou-se e tinha sem pre uma pergunta engatilhada. Nomeadamente no dossiê Independente. Maria Flor Pedroso, que é da rádio, estava a jogar fora e deixou-se ficar num papel mais apagado. Ganhou a noite, o primeiro-ministro? Pareceu-me que sim. E como, nestas coisas de televisão, o que importa é parecer, se pareceu, deve ter sido. A entrevista foi um bom sintoma daquilo a que está reduzida a política portuguesa: um aeroporto que ainda não existe e uma coisa que não se sabe se alguma vez foi uma universidade. Onde estão a ideologia, a Europa, as questões sociais? Nada. Sócrates gosta de passar a imagem do homem de acção que fala pouco. O problema é não ter obra para mostrar. Pouco mais pode fazer do que imitar o treinador do Benfica: prometer a Lua, iludir as derrotas e prometer a taça no ano que vem. Mas os eleitores sabem que é a fingir.

Começou bem, mas atrapalhou-se

Pedro Mexia

O debate começou bem e foi ficando progressivamente mais complicado, a partir mais ou menos dos 20 minutos. Porque um debate que normalmente seria sobre o estado da Nação a meio de um mandato do Governo, acabou por ser sobre o currículo académico do primeiro-ministro.
José Sócrates começou bem, tentando mostrar algum sentido de Estado ao querer separar o seu caso do da Independente. Foi habilidoso. O seu caso exigia, porém, prova documental, e talvez uma entrevista numa televisão não fosse a melhor maneira de a produzir. Conseguiu desmontar bem o alegado caso de assassínio de carácter, mas acabou por se atrapalhar nos pormenores. Ficou muito emperrado na questão emenda dos documentos da Assembleia da República, bem como nas notas lançadas pela Independente a um domingo. As questões de facto foram remetidas para casos de secretaria.
José Sócrates quis ainda reconhecer que existem diferenças entre dar explicações aos jornalistas e fazer pressões e foi cínico sobre a OPA. Ninguém acredita que o Governo não tivesse desse indicações à Caixa Geral de Depósitos. Foi de uma candura que soou a cinismo.
Foi interessante nesta entrevista a palavra blogosfera ter entrado nesta entrevista na discussão política.



Ver "BALANÇO" (curso de J Sócrates)





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