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DM 08JUL07
ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO
Editorial
Os bufos e o aparelho dos partidos
08.07.2007
Ao contrário de Guterres, que, no primeiro dia, pôs os boys no seu devido lugar, Sócrates e os seus ministros nada fizeram para convencer os militantes de que não é assumindo o papel de agentes infiltrados que melhor servem o partido e o país
Fernando Charrua, funcionário da DREN, ou Maria Celeste Cardoso, a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho que o ministro de Saúde exonerou, não são vítimas de um qualquer fenómeno que chegou de surpresa para criar um clima de delação nas repartições públicas do país. Nada indica que os seus casos tivessem chegado ao Governo em consequência de qualquer acto político deliberadamente aprovado para apertar a censura, verificar os delitos de opinião e exercer coacção sobre a liberdade de pensamento e de expressão dos cidadãos. É também improvável que viessem a ser alvo de processos disciplinares ou de exoneração se, por acaso, fizessem parte da rede de cumplicidades e interesses que se agregam em torno do partido no poder. Se a democracia está suficientemente consolidada para travar a bufaria institucionalizada, não é ainda madura ao ponto de evitar que o espírito bafiento e persecutório que os aparelhos partidários cultivaram nos últimos anos contamine o espaço público.
Quando Manuel Alegre diz que há pouco PS no Governo, ilumina-o esse velho espírito republicano que emula o debate livre, o empenho nas coisas públicas ou a necessidade de encarar a governação como uma responsabilidade de todos. O problema é que os partidos que em tempos cultivaram essas vocações estão moribundos e as parcas energias que lhes restam não estão orientadas para a discussão da polis. O PS, o PSD e os demais partidos deixaram há muito de angariar inteligência, de mobilizar ideias, de participar na discussão livre dos temas da agenda nacional. Pelo contrário, transformaram-
-se em simples máquinas facciosas que, quando chegam ao poder, se transformam em eficientes redes de disputa de cargos para os seus. O PS actual não é diferente. Com a elite do partido a governar ou a apoiar a governação no Parlamento, o aglomerado de aparatchiks que estão na base dedica-se a zelar pela obediência aos chefes, a acumular pequenos poderes, a espreitar a oportunidade de ocupar cargos e, obviamente, a remover do funcionalismo todos os que lhes possam travar a ambição. Ideias, propostas, debate? Essa é função para intelectuais. Alguém se lembra de uma intervenção relevante sobre o país de um presidente de uma federação distrital do PS?
Treinados a combater dissidências e a não criticar as hierarquias, muitos desses militantes encontraram na era Sócrates o lugar e o tempo ideais para transportar para a esfera do Estado a prática controleira e intolerante que foram aperfeiçoando nos corredores da vida partidária. São eles quem denuncia ao chefe a crítica (ou o insulto) que um estranho ao grupo faz no recato de um gabinete. São eles quem informa sobre toda e qualquer manifestação de desagrado ao poder. São eles que, pela sua simples existência, vão criando uma rede vigilante e intimidatória que institui o silêncio, fomenta a subserviência e premeia a delação. Um pouco por todo o lado, mas principalmente longe das grandes cidades, este ambiente de vigilância e de medo está a ameaçar dois dos bens que mais nos faltam: o da responsabilidade individual e o da autonomia.
Este risco, que o velho PS critica, não está a ser devidamente avaliado pelo Governo. Ao acolher e ao validar as denúncias, Sócrates e os seus ministros não estão a zelar pela autoridade do Estado ou a fazer cumprir os procedimentos disciplinares: estão, em primeiro lugar, a dizer aos militantes do PS que podem ser donos de um poder de censura legitimado pelo Governo. Ao contrário de Guterres, que, no primeiro dia, pôs os boys no seu devido lugar, Sócrates e os seus ministros nada fizeram para convencer os militantes de que não é assumindo o papel de agentes infiltrados que melhor servem o partido e o país. Se a peste da bufaria continuar a grassar, grande parte da responsabilidade pelos seus efeitos terá um destinatário óbvio: o Governo. Manuel Carvalho
Ver o post, com este relacionado, no N&R desta mesma data, sob o título HÁ ALGUM PS NO GOVERNO?
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