domingo, 8 de julho de 2007

CENSURA!

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Público.pt

SB 07JUL07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO

De repente, acordámos e o

país é outro. O clima de

medo e delação está

instalado

Um sono profundo

07.07.2007,

São José Almeida

A Semana Política

Tenho um amigo, o Paulo Vidigal, dono de raro espírito de observação e de crítica, que pratica com uma sofisticada mordacidade e uma requintada ironia. Um dia destes, no final de um muito conversado jantar, o Paulo olha para mim e diz: "Sabes? As revoluções de esquerda são muito sonoras, vêm para a rua, fazem a festa, deitam foguetes, apanham as canas e vão-se embora. A direita não. Adormecemos descansados, embalados na história da bela democracia, e, quando acordamos, os gajos já estão instalados."
- Fernando Portel, director do Hospital de São João da Madeira há 17 anos e presidente da assembleia municipal eleito pelo PSD, foi afastado por ter criticado as reformas na saúde, durante o período de discussão pública das mesmas.
- Maria Celeste Cardoso, directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, foi demitida do cargo, porque não retirou um cartaz da sala de espera do centro de saúde, onde o ministro era alvo de sátira. O cartaz foi aí colocado pelo médico Salgado Almeida, que é também vereador da CDU em Guimarães. O cartaz constava de uma notícia onde o ministro afirmava nunca ter ido a um SAP e tinha acrescentado à mão um apelo aos utentes para fazerem o mesmo. Na nota de exoneração da directora do centro lê-se: "Violou o dever de lealdade e também o poder de imparcialidade e isenções políticas."
- A directora regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, instaurou um processo disciplinar ao professor destacado Fernando Charrua, por este ter dito uma piada sobre o primeiro-ministro, José Sócrates, durante uma conversa a três, à hora do almoço, com outros funcionários da direcção-geral. Margarida Moreira agiu depois de ter recebido a delação por SMS.

- O director-geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular expulsou a Associação de Professores de Matemática da Comissão de Acompanhamento do Plano da Matemática. A razão foi o facto de a associação ter criticado a ministra da Educação.
- António Balbino Caldeira, autor do blogue Portugal Profundo, é arguido de uma queixa-crime que foi apresentada por José Sócrates. O motivo é o que António Balbino Caldeira escreveu e divulgou no seu blogue sobre a licenciatura do primeiro-ministro.
- Circula actualmente nas redacções dos jornais e outros órgãos de comunicação social um abaixo-assinado promovido por um grupo de jornalistas, o Movimento Informação e Liberdade, que rejeita o conjunto de regras já aprovadas e em aprovação pelo Governo - leis da Rádio e da Televisão, Estatuto dos Jornalistas, lei anticoncentração dos meios de comunicação social, Código Penal - que mais não fazem do que tentar limitar e cercear o livre exercício do jornalismo e da liberdade de informar, chegando ao ponto de impor a violação do segredo profissional, ou seja, a denúncia de fontes.


imagem do PÚBLICO



A liberdade de opinião, de expressão, de pensamento está a ser atacada em Portugal e o país assiste calado. Dormita. Vai dormindo


Quando e como mudou o país enquanto dormíamos?
De repente, acordámos e o país é outro. O clima de medo e delação está instalado. Na função pública principalmente, mas não só. Interiorizam-se comportamentos de pavor de se vir a ser perseguido, castigado, subtilmente colocado numa lista de excedentes, caso se diga algo que seja visto pelo chefe como negativo ou subversivo.
"O dever de lealdade e também o poder de imparcialidade e isenções políticas", como na nota que demitiu Maria Celeste Cardoso, têm agora um novo significado, o da fidelidade canina, da obediência cega e sem limites, do yes, minister acrítico, da bajulação subserviente. O clima de autoritarismo e de arbitrariedade alastra. E a delação, a denúncia, o bufo, o pide é o instrumento a que se recorre e estimula.
A liberdade de expressão é atacada e cerceada. Um blogue é posto em causa e o seu autor denunciado como criminoso, porque tem opinião sobre factos que estão anunciados, noticiados e documentados, só porque em causa está o primeiro-ministro, que, pelos vistos, não gosta que o questionem.
Os jornalistas são domesticados pela lei. Calados pelo medo. Avisados de que o poder político está disposto a impor regras arbitrárias e antidemocráticas para não ser questionado nem incomodado.
Isto pela mão do PS. Partido que foi historicamente o paladino da liberdade antes e depois do 25 de Abril. E que hoje, comprovadamente, é outro partido. Um PS novo, onde parte festeja, ufano, porque acha que apenas está em causa o desenrolar da desejadíssima operação de substituir os boys e as girls do PSD pelos do PS. E na sua mediana tacanhez, ignorância e mediocridade nem percebem o sentido último e maior do que se anuncia. Outra parte come e cala, não rejubila, mas acha normal. Do velho e defunto PS, apenas Manuel Alegre se rebela e Mário Soares critica. E Vera Jardim mostra-se incomodado, mas acaba por justificar em nome do poder.
A liberdade de opinião, de expressão, de pensamento está a ser atacada em Portugal e o país assiste calado. Dormita. Vai dormindo.
Entretanto, a revolução avança. Uma revolução silenciosa. Uma revolução feita de cima para baixo, imposta pela classe dirigente, pela nova aristocracia, contra os que só trabalham. Uma revolução que tem como finalidade retirar os direitos sociais, económicos e, pelo que se vê, até cívicos e políticos. Através da instauração de um clima de medo. Precisamente, para que não haja resistência. Para que não exista contestação. Para que ninguém questione. Para que ninguém exija.
Um dia, quando acordarmos deste sono profundo em que nos deixámos cair, as pessoas e o seu bem-estar serão passado, farão parte da história, como uma peculiaridade europeia do pós-guerra. E os novos deuses reinarão: o lucro, o dinheiro, a especulação, o mercado. Jornalista

Ver o post, com este relacionado, no N&R desta mesma data, sob o título PARTIDO SOCIALISTA? ISTO?


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