quarta-feira, 3 de outubro de 2007

“BIRMÂNIA: UMA ESCOLHA FÁCIL”




SG 02OUT07

ESPAÇO PÚBLICO/OPINIÃO

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Birmânia: uma escolha fácil
02.10.2007, José Vítor Malheiros

Se a Europa não for a Europa dos direitos humanos será apenas uma designação geográfica

Não há, de entre aqueles países que possamos considerar como politicamente respeitáveis, nenhum que recuse a classificação da Birmânia como uma ditadura. Os dirigentes militares tomaram o poder pela força, o país não possui partidos políticos (a Liga Nacional pela Democracia de Aung San Suu Kyi e os pequenos grupos da oposição estão proibidos de manter actividade política), não realiza eleições (nas últimas que foram realizadas, em 1990, a junta militar recusou-se pura e simplesmente a acatar o resultado), sofreu um empobrecimento violento ao longo dos 45 anos de ditadura, obriga ao exílio ou mata os oposicionistas, mantém em condições degradantes mais de mil presos políticos, usa de forma sistemática a tortura e as execuções extrajudiciais nos seus opositores, mantém em cativeiro a Prémio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi sem que esta tenha cometido ou seja acusada de cometer qualquer crime que não defender os direitos humanos e a democracia, recorre ao trabalho infantil e a trabalho escravo para manter uma actividade económica da qual apenas um pequeno grupo de oligarcas (militares ou da sua entourage) beneficiam, explora em benefício da mesma oligarquia as riquezas naturais do país (gás, petróleo, madeiras), não tem imprensa livre nem liberdade de expressão, tolera a actividade de redes transnacionais de escravatura sexual, é acusado de crimes contra a humanidade pela sua repressão brutal de minorias étnicas, recusa visitas de organizações de defesa dos direitos humanos, é o segundo produtor do ópio traficado no mundo (produção e exportação que está a crescer), é um dos países por onde passa uma parte substancial da lavagem de dinheiro internacional, etc. Em resumo: o país está na mão de ditadores corruptos sem o mínimo escrúpulo que não olham a meios para se manter no poder e para se enriquecer. O seu desrespeito pelos direitos humanos e a sua indiferença pela condenação internacional são evidentes.Neste mesmo país, temos, do lado da oposição, um grande partido que recolheu uma expressiva maioria absoluta de votos nas últimas eleições, dirigido por uma figura que congrega a admiração de todos os líderes políticos e das opiniões públicas ocidentais, que advoga a democracia e que tem adoptado até agora a não-violência como sua prática - mesmo quando os soldados disparam à queima-roupa sobre os manifestantes. Temos entre os opositores ao regime os monges budistas, o grupo social mais respeitado no país, que se têm manifestado pacificamente nas ruas, apelando à população para que se manifeste de forma não-violenta, oferecendo-se como alvos à brutalidade policial.Se há situações onde é fácil saber de que lado se deve estar, esta é uma delas. E é evidente que essa escolha impõe um dever de acção.É perante situações como esta (ou como o conflito do Darfur, com as suas centenas de milhares de vítimas inocentes) que se torna gritante a ausência de visibilidade da política externa europeia e chocante a timidez da que existe - sempre hesitante entre os seus próprios interesses comerciais; o equilíbrio entre os vários Estados-membros, os Estados Unidos, a Rússia e a China; e um profundo desejo de evitar riscos e gastos.Não tem sentido defender a Europa como a sede dos direitos humanos nem sequer evocar essa preocupação se ela não se estender à sua política externa e mais: se não for o móbil que lhe dá forma. É triste ouvir George W. Bush na ONU apelar ao despertar das consciências sobre a Birmânia sem que a Europa tenha conseguido fazer algo de longinquamente semelhante - em impacto ou clareza. Se a Europa não for a Europa dos direitos humanos será apenas uma designação geográfica. Os direitos humanos, a democracia e a liberdade são a alma da Europa e não pode interessar à Europa ganhar o mundo inteiro e ficar nas boas graças de Moscovo, de Pequim e de Nova Deli se com isso perder a sua alma.A Birmânia (e o Darfur) são daquelas causas que nenhuma consideração pragmática justifica abandonar ou negligenciar. Penso que é essa a convicção da maioria dos cidadãos europeus. Pelo meu lado, sei que é dessa Europa de que eu faço parte e de mais nenhuma. Jornalista



Ver a introdução a este artigo em
BIRMÂNIA

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