domingo, 2 de novembro de 2008

SINAL DOS TEMPOS?

DM 02NOV08





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Editorial Nuno Pacheco

Desta vez
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não foram budas de pedra,
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foi uma jovem morta com pedras
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A lapidação de uma jovem na Somália, a mando de milícias integristas, deve servir de aviso para que não se negoceie com criminosos deste tipo o que é inegociável, ou seja, a vida humana
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Uma notícia irrompeu há dias, em letra pequena, das páginas dos jornais. Uma mulher tinha sido lapidada no Sul da Somália, em Kismayu, sob a acusação de adultério. Teria 23 ou 24 anos e, garantiam as milícias que trataram da execução, teria pedido para ser castigada. Ontem, o diário El País publicava uma reportagem de uma sua enviada onde se desmontava a sinistra farsa. Asha Ibrahim Dhuhulow, assim se chamava a vítima, não tinha 23 ou 24 anos, mais sim 14. A suposta "mulher adúltera" era, afinal, uma criança e tinha atrás de si uma história trágica. Segundo o seu pai, ouvido pela jornalista, Asha nascera num campo de refugiados de Hagardeer, no Sul do Quénia, em 1995. A família refugiara-se lá, porque o clã a que pertencia, uma minoria somali, conseguira fugir à morte num período mais aceso da guerra. Até aqui, o drama usual de milhares de seres que o mundo conta habitualmente por números, não por nomes. Mas Asha, que fora a décima terceira filha do casal, apesar de frequentar a escola no campo de refugiados, sofria de epilepsia e os pais decidiram enviá-la para junto da avó, em Mogadíscio. Asha fez-se ao caminho mas a guerra barrou-lhe os passos. Ficou-se por Kismayu, uma localidade controlada por milícias radicais islâmicas, e foi aí que, um dia, foi levada a uma praia por três homens (de um clã dominante), que a violaram.
Ela apresentou queixa e os violadores foram detidos. Mas os familiares desses homens convenceram a rapariga a retirar a acusação, sob promessa de lhe darem determinada soma em dinheiro. Ela acreditou que isso poderia ser a única forma de chegar a Mogadíscio (o dinheiro tinha-se-lhe acabado) e caiu na armadilha. Que teve desfecho rápido: acusaram-na de extorsão no tribunal islâmico e, mal ela desistiu da queixa, foi presa sob a acusação de manter relações sexuais sem estar casada. Ninguém falou com ela, nem sequer um médico a visitou até ao dia fatal. Levaram-na depois até ao estádio de futebol de Kismayu, chamando a população (vieram cerca de mil pessoas, dizem testemunhos) para assistir à execução "de uma mulher de 34 anos, prostituta, adúltera e bígama", conforme relata o El País. Enterraram-na até ao pescoço, cobriram-lhe a cabeça com um capuz e meia centena de homens começaram a atirar-lhe pedras até se certificarem de que estava morta. Como alguns populares se revoltassem, as milícias abriram fogo. Morreu uma outra criança, vítima "colateral" deste miserável crime.Num momento em que o Ocidente, manietado no Afeganistão pela falência das suas estratégias, encara a hipótese de negociar com os taliban, a recente lapidação na longínqua Somália, promovida por criminosos da mesma estirpe, deve funcionar como alerta para o que nunca deve aceitar. Quando os budas gigantes de Bamiyan foram destruídos a tiro, em Março de 2001, num gesto simbólico que havia de antecipar em alguns meses o terror maior do 11 de Setembro, os protestos foram fracos. Mais tarde, já as Torres Gémeas tinham sucumbido ao fanatismo, percebeu-se que por detrás dos budas havia uma legião de mártires e que o Afeganistão dos taliban era o reinado de um terror sem lei. Houve, depois, o que se sabe: a invasão militar e uma guerra que, por cegueira e lassidão, se foi perdendo. Até chegar agora à palavra negociação, que mal entendida e pior aplicada pode significar cedência. Pior ainda, pode significar a morte para muitos dos que têm vindo a opor-se aos integristas. Desta vez não foram budas de pedra destruídos a tiro, foi uma criança morta por pedras. Que isto faça, ao menos, reflectir os potenciais "negociadores". Para que as palavras não venham a fazer mais vítimas inocentes do que tantas e tão mal usadas balas.
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(remetido de SINAL DOS TEMPOS?)
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quinta-feira, 10 de julho de 2008

TEMPESTADES DE ÁGUAS PASSADAS...


Opinião



Tempestades de águas passadas...
2008.07.07
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Nada nos objectivos e missão da Águas de Portugal a capacita para entrar nas ruinosas negociatas internacionais agora denunciadas pelo Tribunal de Contas. O que permitiu esta situação na AdP e noutras empresas públicas foram as interpretações abusivas do seu estatuto autonómico e o laxismo cúmplice de tutelas incapazes.
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Foi na década de noventa que se iniciou o baile de máscaras que travestiu empresas do Estado em simulacros de corporações privadas de modelo americano. Houve na altura colossais transferências de Bruxelas para o Banco de Portugal que nos deram dinheiro como nunca se tinha visto. Verbas que a CEE confiava ao executivo português para serem usadas na tão necessária modernização do país.
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A Águas de Portugal nasce dessa imensa bonança financeira, exactamente porque era dos sectores mais necessitados de infra-estruturas. E teve muito dinheiro para isso. O suficiente para desviar algum para umas apostas no jogo da roda internacional. A coberto do pretexto de que eram as suas áreas de perícia compraram-se participações financeiras no Brasil, Cabo Verde, Argélia, Angola, Moçambique e onde quer que os aguadeiros estatais precisassem de um parceiro endinheirado, esbanjador e inimputável.
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Outras empresas públicas faziam o mesmo com a inebriante liquidez que o ECU nos trazia, e de repente, funcionários públicos mascarados de gestores privados passaram gerir esses sectores do Estado opados com dinheiros comunitários e a comportar-se como magnates num confortável jogo de monopólio com dinheiro a sério, que não era deles e que e parecia inesgotável. No processo foram desbaratando activos que são propriedade do povo português.
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Foi nesse período que a PT, à força de ECU, derrotou telefónicas muito mais experientes e financeiramente estruturadas, numa doida corrida para comprar uma empresa de telecomunicações brasileira que Belmiro de Azevedo identificou logo, na OPA, como sendo o calcanhar de Aquiles da telecom lusa. Foi também nesse período que o próprio Banco de Portugal, num dos mais desastrados investimentos na nossa história, apostou reservas de ouro nacionais em acções de altíssimo risco que eram oferecidas em Wall Street aos apostadores mais ousados.
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Tavares Moreira, então governador do Banco de Portugal, acreditou na Dona Branca americana que se chamava Michel Milken e prometia rendimentos miríficos. Milken acabou na cadeia. Portugal perdeu não se sabe ao certo quanto, mas foi o suficiente para fazer notícia numa edição da Newsweek.
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Já se passaram mais de vinte anos sobre estes desastres financeiros, mas eles estão bem contabilizados no défice das contas públicas que andamos a equilibrar à custa de maternidades e escolas encerradas, pensões de reforma proteladas e desemprego, porque não há dinheiro.
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Um pormenor importante: as alterações do estatuto das empresas públicas que lhes deram esta latitude e impunidade para esbanjamento do património nacional verificaram-se entre 1985 e 95. Era primeiro-ministro o professor Aníbal Cavaco Silva. Tudo o que veio depois é consequência de um modelo tragicamente errado.
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(Remetido de LEMBRAR É PRECISO)
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segunda-feira, 30 de junho de 2008

O MUNDO LÁ DE CIMA E O MUNDO CÁ DE BAIXO







Opinião.................... Publicado 12 Junho 2008 16:06



O MUNDO LÁ DE CIMA E O MUNDO CÁ DE BAIXO


O dispositivo de patrioteirismo colocado, com extrema eficiência, por todo o País, sob a benevolente aquiescência de uma Televisão desacreditada, de uma Rádio às aranhas e de uma Imprensa que se perdeu na pobreza moral, está a conduzir, muitos de nós, a um estado próximo da imbecilização.
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Baptista Bastos
b.bastos@netcabo.pt


O dispositivo de patrioteirismo colocado, com extrema eficiência, por todo o País, sob a benevolente aquiescência de uma Televisão desacreditada, de uma Rádio às aranhas e de uma Imprensa que se perdeu na pobreza moral, está a conduzir, muitos de nós, a um estado próximo da imbecilização.A instrumentalização do "desporto" por parte do poder político é um fenómeno de que a Antiguidade foi fértil. No contemporâneo, a dimensão adquirida constitui uma obscenidade. Muitas contendas ditas desportivas (no caso vertente: futebolísticas) não passam de esquemas políticos. À Esquerda e à Direita o recurso a esse enclausuramento mental tolhe qualquer iniciativa antagónica. Porém, a circunstância de, momentaneamente, as vozes críticas serem minoritárias, não significa que elas se calem. Alguns preopinantes pós-modernos acusam de anacronismo aqueles que ainda protestam contra estes mercadores de ilusões, que transformaram (graças a uma campanha impressionante) o Euro-2008 numa questão nacional - ou nacionalista.E quando Marcelo Rebelo de Sousa admite que o País deve mais a Cristiano Ronaldo do que a qualquer outro, o dito é escandaloso. Primeiro, porque só raramente, no estrangeiro, se associa o nome de Cristiano a Portugal; ligam-no mais, claro está!, ao Manchester. Depois porque a vacuidade da afirmação não está à altura do professor; ou estará? Então e Pessoa, e Vieira da Silva, e Damásio, e Paula Rego, e Manoel de Oliveira, e Júlio Pomar, e Saramago, e Siza Vieira - mais, muitos mais outros? A paranóia colectiva assombra, pela expressão numérica da mediocridade. Rui Santos, jornalista do futebol, chamou-lhe "alienação" e está com carradas de razão.O mal-estar na sociedade portuguesa é anestesiado por esta catadupa de falsos valores, de falsos princípios, de falsos heróis, de falsas hipóteses, de falso patriotismo. De quantos brasileiros, apressadamente matriculados portugueses, possui a selecção "nacional"? E que motivou esses ternos guerreiros? O dinheiro, bem entendido, que até os levou a abjurar da própria nacionalidade. Há qualquer coisa de podre, de vil e de sórdido nesta doentia instrumentalização.Há dias, a "Notícias Magazine" publicou um dramático apelo de D. Manuel Martins, primeiro bispo de Setúbal, e figura maior da Igreja. Escreve: "Sou, sem querer, mais uma voz a juntar-me à de tantos e tantos portugueses que vivem mergulhados num grande desânimo quanto ao presente e num grande medo quanto ao futuro. Estes sentires vão-se manifestando um pouco por tudo quanto é sítio, e será muito desejável que se lhes acuda a tempo (…) Portugal não pode esperar mais: os portugueses precisam de trabalho justamente remunerado, precisam de pão na sua mesa, precisam de ver respeitados os seus direitos enganados de saúde, de justiça, de educação, de segurança."E o documento prossegue: "Espantam-nos, a sério, os dois mundos que se vão construindo em Portugal: o mundo lá de cima, dos ultra-ricos e dos ultra-remunerados, e o mundo cá de baixo, dos pobres e dos ultra-pobres. Até já os da faixa do meio sentem o terreno a fugir-lhes."É curioso que esta demarcação de D. Manuel Martins coincida com afirmações de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, o qual, num debate sobre o Código do Trabalho, realizado na Associação Católica do Porto, declarou, ante a irritação do ministro Vieira da Silva: "As organizações sociais, perseguindo o seu bem específico ao serviço do bem comum, são um factor construtivo de ordem social e solidariedade, portanto um elemento indispensável da vida social (…) Sem pressão sindical poderia acontecer que a administração pública se esquecesse do seu papel."As vozes destes dois homens foram praticamente ofuscadas pelo alarido futebolístico. Como nada acontece por acaso, convém não atribuir ao "acaso" os infortúnios da razão, que levam quem organiza o escalonamento dos noticiários (nos jornais, nas rádios e nas televisões) a inverter a importância dos factos e a dissimular o carácter político-social dos acontecimentos com a frivolidade, essencialmente mutável, do futebol.José Sócrates, cuja arrogância começa a ser suicida, desprezou a manifestação dos duzentos mil, e cava, cada vez mais fundo, a separação entre os portugueses. Alguém tem de dizer a este homem que já lhe é difícil arrepiar caminho e dar um torção à Esquerda. Cometeu tropelias, injustiças e incompetências demasiado extensas e graves para que se lhe perdoe. Teve tudo na mão para equilibrar as coisas: até uma certa cumplicidade dos órgãos de informação, fatigados das desditas de Guterres, de Durão e de Santana. Não o fez. Segundo o insuspeito Joaquim Aguiar, ele não estava preparado para dirigir o País. Tem sido acolitado por um grupo de subservientes, pouco ou nada apetrechados ideológica e culturalmente, que em nada o têm ajudado. Há dias, Vítor Ramalho, começou, ele também, a criticar a governação, e o próprio PS, revelando que não há debate nos "núcleos" socialistas. Recordo que, há anos, o PS dizia o mesmo do PCP, e, ainda recentemente, idêntica acusação foi formulada por sociais-democratas ao PSD. Não há debate nos partidos; não há debate na sociedade. O vazio impera.Creio que Manuela Ferreira Leite apenas fará algumas mossas na carcaça do Governo. Ao contrário do que dizem os seus turiferários, ela não colhe nem as simpatias da totalidade dos "companheiros", nem a empatia dos portugueses. Um guru tem afirmado o contrário e, inclusive, que a senhora "unirá o partido." Todavia, o Santana não é para graças; o Passos é um pequeno falcão à espera; e Patinha Antão pode ter obtido um resultado escasso, mas (para minha surpresa e de muitos) revelou um sábio conhecimento dos dossiês. Além do que Manuela Ferreira Leite representa o que de mais cediço e arcaico existe na sociedade portuguesa. Não vai resolver nada: vai complicar tudo. E o seu apressado discurso "social" não dissimula a actividade praticada no Governo. Manuela Ferreira Leite é mais do mesmo, igual a todo o mesmo. É uma soneira. José Sócrates, uma canseira. Como diria o Eça: "Meninos, que ferro!"





(remetido de A PERSISTENTE E PREOCUPANTE INDIFERENÇA)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

“NÃO, NÃO ESTAMOS NOS NOSSOS MELHORES DIAS...”



Não, não estamos nos nossos melhores dias...

PÚBLICO SB 09FEV08, José Pacheco Pereira

Como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar?

Lá fora está um esplêndido dia de Inverno, com uma luz do Sol que faz brilhar todos os contrastes, todos os limites, separando cada coisa com uma clareza que só o frio permite. A noite anterior também estava assim, escura e nítida, e, sem a poluição luminosa que já de há muito nos impede de olhar o céu, podia-se ver como a máquina do mundo rodava perfeita, com Orion, a grande constelação do Inverno, presidindo. Mas a memória, a inimiga das veleidades da novidade, lembra-me um ditado que aprendi na escola primária do salazarismo: "Em Janeiro, se vires verdejar põe-te a chorar, se vires terrear, põe-te a cantar." E verdeja já um pouco por todo o lado, e as andorinhas já começam a voltar, e percebe-se que falta pouco para as árvores se convencerem de que estão na Primavera. Pensando bem, devia levar as andorinhas a ver o filme do Al Gore para as convencer de que não são as aparências do tempo que contam, desreguladas que estão pelos sinistros neoliberais que querem aquecer a tampa do mundo, mas sim as realidades do calendário. E que ainda é Inverno, ainda é Inverno. Não, não estamos nos nossos melhores dias... Não eu, que estou bem e recomendo-me, mas eles, lá fora, as andorinhas, Portugal, o mundo.

A colheita dos últimos dias "verdeja" à superfície de coisas um pouco sinistras: o processo de Isaltino de Morais voltou quase à estaca zero, mais uma vez, ao fim de não sei quantos anos, e não acontece nada. Vários crimes de que era acusada Fátima Felgueiras prescreveram entre os passeios pelo Brasil, as mudanças de visual e as peregrinações a Fátima dos felgueirenses, patrocinadas pela "Fatinha". E não acontece nada. O Ministério Público arquivou o processo de agressões ao vereador de Gondomar, continua a não se saber quem o agrediu, mas isso não deve ter importância, porque não acontece nada. Cravinho faz uma crítica duríssima aos seus colegas de bancada por sabotarem qualquer legislação contra a corrupção. E não acontece nada. De passagem, o mesmo Cravinho põe em causa com todas as letras o comportamento do LNEC, a quem acusa de ter moldado as conclusões às vontades do poder político, falsificando o seu relatório sobre o aeroporto por omissão de despesas. E não acontece nada. O bastonário da Ordem dos Advogados falou alto de mais e obrigou a mais uma ronda de lip service sobre a corrupção dos ricos e poderosos, que muito provavelmente vai dar origem a mais uma... Comissão. E não acontece nada. O mesmo bastonário acrescentou um caso muito interessante de como se ganha dinheiro em Portugal, o prédio vendido de manhã pelo Estado aos privados e vendido à tarde pelos privados a outros privados com mais cinco milhões em cima e, pelo meio, consultores e assessores do PS e do PSD. E não acontece nada. O PÚBLICO mostrou a obra arquitectónica do engenheiro Sócrates, por coincidência toda no distrito da Guarda, apesar de ele ser funcionário da Câmara da Covilhã e dirigente partidário do distrito de Castelo Branco. E não acontece nada. Depois, há o ciclo do governo PSD/PP com os seus sobreiros, submarinos e um casino dado numa noite de despachos que adormeceu ainda com o governo Santana Lopes/Portas e acordou com o governo do engenheiro Sócrates, porque era o dia do fim dos tempos, o Gotterdamerung da coligação despedida por Sampaio e por milhões de portugueses. E não acontece nada. Do lado do "dar" está o Estado, do lado do "receber" está a Estoril-Sol, os Espírito Santo, a Lusoponte, o Futebol Clube Felgueiras, etc., etc. Não, não estamos nos nossos melhores dias...Pensando bem, não admira que, com este dia-a-dia, fiquemos tão intimamente absurdos como os maoístas nacionais, nos quais eu me incluía, que queriam derrubar o "quartel-general" à força de dazibaos. O nosso maoísmo dos dias de hoje é, imagine-se, o glamour da monarquia. Não a inglesa, nem a sueca, nem a do Brunei, o que ainda se percebia, mas a dos Braganças, o que não se percebe de todo. Não, não estamos nos nossos melhores dias...Numa daquelas reviravoltas que a moda faz à história, sim, que a história é muito de modas, passou-se da versão carbonária à versão ao modo do Senhor Dom Duarte Nuno. Tudo isto a propósito desse bom homem que matámos há cem anos, o Rei D. Carlos, agora o Senhor Dom Carlos, Rei de Portugal. Uma pequena multidão descobriu as maravilhas da monarquia, muda o nome de Ataíde para Athaide, de Rui para Ruy, passeia o seu blaser nos grandes escritórios de qualquer coisa burocrática que eles acham que não é burocrática, negócios, auditoria, advocacia, aconselhamento fiscal, project finance, com o emblema da Causa Monárquica na lapela, dobrando a voz todas as vezes que diz Senhor, como em Senhor Dom Carlos, indo a missas para esconjurar os jacobinos e os carbonários, convencidos de que os regicidas eram a encarnação da Al-Qaeda da época e que Portugal seria um grande país caso não houvessem aqueles tiros junto ao Tejo.

O Rei D. Carlos era um homem estimável, com boas virtudes e dedicações científicas e estéticas pouco comuns nos Braganças, com pecados simpáticos, que foi um crime matar e que mais do que merecia a banda militar a tocar nas cerimónias? De certeza que sim, mas não o façam ser o que não foi. Oh! Homens e mulheres do Senhor arredondado, para os regicidas da época aconselho um dos melhores e mais fascinantes textos de Eça, ao modo de Jorge Luís Borges, perdido nas Notas Contemporâneas, sobre o assassino de Canovas del Castillo, ou o Agente Secreto do genial Conrad, para se olhar para estas coisas com outros olhos, nem carbonários, nem beatos. Para o resto, peguem numa lupa e vão ver as fotografias dos "palácios reais", as fotografias dos grandes e médios eventos desses anos finais da monarquia e podem continuar pela República e pelo Estado Novo dentro e vejam o Portugal que lá está ao lado da Família Real nos vasos partidos segurados com arame, nas louças com "gatos", nos jardins



Do lado do "dar" está o Estado,

do lado do "receber"

está a Estoril-Sol, os Espírito Santo,

a Lusoponte, o Futebol Clube Felgueiras, etc., etc.

Não, não estamos nos nossos melhores dias...


pouco cuidados, nos espelhos com a prata gasta, nas roupas puídas e usadas, nas decorações erguidas de madeira e papelão, no tom de abandono, descuido e pouca limpeza, que nem a hierarquia do upstairs e do downstairs servia para funcionar bem, não porque não houvesse muita criadagem, mas porque faltavam os mordomos ingleses. Esse mundo que tomam por brilhante e cosmopolita era o mesmo Portugal que hoje pretendem esconjurar porque "feio, porco e mau", o mesmo Portugal - oh sinistro adjectivo! -, "piroso", de que pensam fugir conhecendo os vinhos de casta, comprando relógios Patek Philipe para entesourar, caçando vestidos de duendes verdes, fazendo subir o preço do Almanaque de Gotha nos leilões, e passeando-se por resorts e spas. Não, não estamos nos nossos melhores dias...

Salva-nos o mundo? Não, não salva, a não ser que Barack Obama, que em Portugal tem o maior número de admiradores por metro quadrado da Costa Leste dos EUA para cá, ganhe as eleições. Obama, aquilo que a esquerda europeia pensa que é a esquerda americana, é a última esperança do mundo, tão esperançosa que levou muita gente a trair os Clinton, aquilo que a esquerda europeia pensava que era a esquerda americana antes de Obama aparecer. Soares vota em Obama, Jorge Coelho vota em Obama, Marcelo vota em Obama, o BE vota em Obama, as redacções da TSF, da RTP, da SIC, do Diário de Notícias, votam em Obama. E as outras também. Pensam que Obama vai lá chegar e com a varinha mágica da Utopia e da Esperança, o seu grande mérito a julgar pelos comentários, vai acabar com a guerra no Iraque, a Al-Qaeda, a recessão e as lojas dos chineses, reconhecer a União Europeia como parceira mundial dos EUA e propor Barroso para o Prémio Nobel, dizer "porreiro, pá" ao nosso engenheiro, reconciliar Mário Soares com os EUA e pôr ordem nos israelitas.Está bem, está na altura de acordar, mas como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar? Não, não estamos nos nossos melhores dias... Historiador
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(remetido de A TRISTE VERDADE DOS NOSSOS DIAS)

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

"DICIONÁRIO DE NEWSPEAK EMPRESARIAL"

Dicionário de newspeak empresarial

PÚBLICO, TR 05.02.2008, José Vítor Malheiros

Excerto do "Pequeno guia para uso dos trabalhadores durante a marcha gloriosa das vitórias da produtividade"


O bem-estar dos trabalhadores é importante para nós: Vamos instalar vending machines no hall para não terem desculpas para ir ao café.


A segurança dos nossos trabalhadores é uma prioridade: Se essa porta não estivesse fechada vocês passavam o dia todo na rua a fumar.

A mobilidade é um imperativo da produtividade: Devemos ir para onde a mão-de-obra seja mais barata.

A deslocalização é um imperativo logístico: Os albaneses trabalham mais barato que vocês e ficam mesmo ao pé de Itália.

Na era da Internet a localização geográfica de uma empresa é irrelevante: Os chineses ainda trabalham mais barato que os albaneses.

Nesta empresa, o mais importante são as pessoas: Custa-me imenso despedi-los a todos.

Precisamos de libertar uma parte da nossa mão-de-obra: Vamos despedir 200 tipos.

Precisamos de reduzir os custos fixos: Vamos despedir 200 tipos.

Temos de apostar na flexibilidade: Vamos despedir 200 tipos e contratar uns brasileiros a recibo verde.

As promoções têm de ser fruto do mérito: As mulheres que engravidem podem esquecer a promoção.

Os imigrantes têm óptima formação e forte espírito de equipa: Como os ucranianos não estão legalizados não podem apresentar queixa.

Precisamos de apostar no outsourcing: Não temos dinheiro para pagar aos nossos técnicos.

Precisamos de vestir a camisola: Este ano não vai haver aumentos.

O esforço de reengenharia está apenas a dar os primeiros passos: Ainda não sabemos quantos empregados vamos despedir.

Vamos iniciar um processo profundo de reestruturação: É provável que sejam quase todos despedidos.

Estamos a encarar a possibilidade de downsizing nalguns sectores: A única maneira de continuarmos a ter dinheiro para pagar os salários dos gestores é fazer alguns despedimentos.

Precisamos de sangue novo: Como é que se chama aquela rapariga de mini-saia e óculos vermelhos que estava a sorrir para mim?

Temos uma forte consciência do papel social da nossa empresa: Estamos a tentar obter uns subsídios.

Precisamos de ideias novas: Vamos despedir as pessoas com os salários mais altos...

Precisamos de renovar a lógica de organização da empresa: Vamos mudar o nome dos departamentos.

Estamos a repensar a missão da empresa: Pagámos uma fortuna a uns consultores para desenhar um novo logótipo.

Devíamos fazer um brain storming: Não faço ideia.

Estou só a lançar ideias para cima da mesa: Não li o dossier.

Temos de pensar out of the box: Alguém tem uma ideia?

Temos de repensar o nosso core business: Tecnicamente estamos na falência.

Precisamos de aumentar o share of mind da nossa empresa: Ninguém sabe que nós existimos.

Fizemos um realinhamento estratégico: Pagámos uma fortuna a uns consultores que nos provaram que os consultores anteriores a quem tínhamos pago uma fortuna se tinham enganado redondamente.



(remetido de NEWSPEAK)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

“SÓCRATES E A LIBERDADE”

«A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado reforça-se


Sócrates e a liberdade


António Barreto
Retrato da semana



Em consequência da revolução de 1974, criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres? Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados por fascistas.

Pode parecer uma caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.

Em traço grosso, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos “fascistas” faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população estava no mais baixo.

Por isso sinto incómodo em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte reside no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.

O catálogo é enorme. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al-Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.

Mas nem é preciso ir lá fora. A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias. A nova lei de controlo de tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A videovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas. A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do primeiro-ministro. A interdição de partidos com menos de 5000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência.


O primeiro-ministro
José Sócrates é a
mais séria ameaça
contra a liberdade,
contra a autonomia
das iniciativas privadas
e contra a independência pessoal
que Portugal conheceu nas últimas três décadas

A pesada mão do Governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do Governo nos serviços de rádio e de televisão, públicos ou privados, assim como na “comunicação social” em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassam todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.

Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos ouros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as sua poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu Governo. O primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra a autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
Temos de reconhecer: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo...»



(in Público/Opinião/DM 06AGO08)


(remetido de “SÓ SE FOR MEDO...”)



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