domingo, 2 de novembro de 2008

SINAL DOS TEMPOS?

DM 02NOV08





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Editorial Nuno Pacheco

Desta vez
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não foram budas de pedra,
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foi uma jovem morta com pedras
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A lapidação de uma jovem na Somália, a mando de milícias integristas, deve servir de aviso para que não se negoceie com criminosos deste tipo o que é inegociável, ou seja, a vida humana
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Uma notícia irrompeu há dias, em letra pequena, das páginas dos jornais. Uma mulher tinha sido lapidada no Sul da Somália, em Kismayu, sob a acusação de adultério. Teria 23 ou 24 anos e, garantiam as milícias que trataram da execução, teria pedido para ser castigada. Ontem, o diário El País publicava uma reportagem de uma sua enviada onde se desmontava a sinistra farsa. Asha Ibrahim Dhuhulow, assim se chamava a vítima, não tinha 23 ou 24 anos, mais sim 14. A suposta "mulher adúltera" era, afinal, uma criança e tinha atrás de si uma história trágica. Segundo o seu pai, ouvido pela jornalista, Asha nascera num campo de refugiados de Hagardeer, no Sul do Quénia, em 1995. A família refugiara-se lá, porque o clã a que pertencia, uma minoria somali, conseguira fugir à morte num período mais aceso da guerra. Até aqui, o drama usual de milhares de seres que o mundo conta habitualmente por números, não por nomes. Mas Asha, que fora a décima terceira filha do casal, apesar de frequentar a escola no campo de refugiados, sofria de epilepsia e os pais decidiram enviá-la para junto da avó, em Mogadíscio. Asha fez-se ao caminho mas a guerra barrou-lhe os passos. Ficou-se por Kismayu, uma localidade controlada por milícias radicais islâmicas, e foi aí que, um dia, foi levada a uma praia por três homens (de um clã dominante), que a violaram.
Ela apresentou queixa e os violadores foram detidos. Mas os familiares desses homens convenceram a rapariga a retirar a acusação, sob promessa de lhe darem determinada soma em dinheiro. Ela acreditou que isso poderia ser a única forma de chegar a Mogadíscio (o dinheiro tinha-se-lhe acabado) e caiu na armadilha. Que teve desfecho rápido: acusaram-na de extorsão no tribunal islâmico e, mal ela desistiu da queixa, foi presa sob a acusação de manter relações sexuais sem estar casada. Ninguém falou com ela, nem sequer um médico a visitou até ao dia fatal. Levaram-na depois até ao estádio de futebol de Kismayu, chamando a população (vieram cerca de mil pessoas, dizem testemunhos) para assistir à execução "de uma mulher de 34 anos, prostituta, adúltera e bígama", conforme relata o El País. Enterraram-na até ao pescoço, cobriram-lhe a cabeça com um capuz e meia centena de homens começaram a atirar-lhe pedras até se certificarem de que estava morta. Como alguns populares se revoltassem, as milícias abriram fogo. Morreu uma outra criança, vítima "colateral" deste miserável crime.Num momento em que o Ocidente, manietado no Afeganistão pela falência das suas estratégias, encara a hipótese de negociar com os taliban, a recente lapidação na longínqua Somália, promovida por criminosos da mesma estirpe, deve funcionar como alerta para o que nunca deve aceitar. Quando os budas gigantes de Bamiyan foram destruídos a tiro, em Março de 2001, num gesto simbólico que havia de antecipar em alguns meses o terror maior do 11 de Setembro, os protestos foram fracos. Mais tarde, já as Torres Gémeas tinham sucumbido ao fanatismo, percebeu-se que por detrás dos budas havia uma legião de mártires e que o Afeganistão dos taliban era o reinado de um terror sem lei. Houve, depois, o que se sabe: a invasão militar e uma guerra que, por cegueira e lassidão, se foi perdendo. Até chegar agora à palavra negociação, que mal entendida e pior aplicada pode significar cedência. Pior ainda, pode significar a morte para muitos dos que têm vindo a opor-se aos integristas. Desta vez não foram budas de pedra destruídos a tiro, foi uma criança morta por pedras. Que isto faça, ao menos, reflectir os potenciais "negociadores". Para que as palavras não venham a fazer mais vítimas inocentes do que tantas e tão mal usadas balas.
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(remetido de SINAL DOS TEMPOS?)
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