domingo, 10 de fevereiro de 2008

“NÃO, NÃO ESTAMOS NOS NOSSOS MELHORES DIAS...”



Não, não estamos nos nossos melhores dias...

PÚBLICO SB 09FEV08, José Pacheco Pereira

Como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar?

Lá fora está um esplêndido dia de Inverno, com uma luz do Sol que faz brilhar todos os contrastes, todos os limites, separando cada coisa com uma clareza que só o frio permite. A noite anterior também estava assim, escura e nítida, e, sem a poluição luminosa que já de há muito nos impede de olhar o céu, podia-se ver como a máquina do mundo rodava perfeita, com Orion, a grande constelação do Inverno, presidindo. Mas a memória, a inimiga das veleidades da novidade, lembra-me um ditado que aprendi na escola primária do salazarismo: "Em Janeiro, se vires verdejar põe-te a chorar, se vires terrear, põe-te a cantar." E verdeja já um pouco por todo o lado, e as andorinhas já começam a voltar, e percebe-se que falta pouco para as árvores se convencerem de que estão na Primavera. Pensando bem, devia levar as andorinhas a ver o filme do Al Gore para as convencer de que não são as aparências do tempo que contam, desreguladas que estão pelos sinistros neoliberais que querem aquecer a tampa do mundo, mas sim as realidades do calendário. E que ainda é Inverno, ainda é Inverno. Não, não estamos nos nossos melhores dias... Não eu, que estou bem e recomendo-me, mas eles, lá fora, as andorinhas, Portugal, o mundo.

A colheita dos últimos dias "verdeja" à superfície de coisas um pouco sinistras: o processo de Isaltino de Morais voltou quase à estaca zero, mais uma vez, ao fim de não sei quantos anos, e não acontece nada. Vários crimes de que era acusada Fátima Felgueiras prescreveram entre os passeios pelo Brasil, as mudanças de visual e as peregrinações a Fátima dos felgueirenses, patrocinadas pela "Fatinha". E não acontece nada. O Ministério Público arquivou o processo de agressões ao vereador de Gondomar, continua a não se saber quem o agrediu, mas isso não deve ter importância, porque não acontece nada. Cravinho faz uma crítica duríssima aos seus colegas de bancada por sabotarem qualquer legislação contra a corrupção. E não acontece nada. De passagem, o mesmo Cravinho põe em causa com todas as letras o comportamento do LNEC, a quem acusa de ter moldado as conclusões às vontades do poder político, falsificando o seu relatório sobre o aeroporto por omissão de despesas. E não acontece nada. O bastonário da Ordem dos Advogados falou alto de mais e obrigou a mais uma ronda de lip service sobre a corrupção dos ricos e poderosos, que muito provavelmente vai dar origem a mais uma... Comissão. E não acontece nada. O mesmo bastonário acrescentou um caso muito interessante de como se ganha dinheiro em Portugal, o prédio vendido de manhã pelo Estado aos privados e vendido à tarde pelos privados a outros privados com mais cinco milhões em cima e, pelo meio, consultores e assessores do PS e do PSD. E não acontece nada. O PÚBLICO mostrou a obra arquitectónica do engenheiro Sócrates, por coincidência toda no distrito da Guarda, apesar de ele ser funcionário da Câmara da Covilhã e dirigente partidário do distrito de Castelo Branco. E não acontece nada. Depois, há o ciclo do governo PSD/PP com os seus sobreiros, submarinos e um casino dado numa noite de despachos que adormeceu ainda com o governo Santana Lopes/Portas e acordou com o governo do engenheiro Sócrates, porque era o dia do fim dos tempos, o Gotterdamerung da coligação despedida por Sampaio e por milhões de portugueses. E não acontece nada. Do lado do "dar" está o Estado, do lado do "receber" está a Estoril-Sol, os Espírito Santo, a Lusoponte, o Futebol Clube Felgueiras, etc., etc. Não, não estamos nos nossos melhores dias...Pensando bem, não admira que, com este dia-a-dia, fiquemos tão intimamente absurdos como os maoístas nacionais, nos quais eu me incluía, que queriam derrubar o "quartel-general" à força de dazibaos. O nosso maoísmo dos dias de hoje é, imagine-se, o glamour da monarquia. Não a inglesa, nem a sueca, nem a do Brunei, o que ainda se percebia, mas a dos Braganças, o que não se percebe de todo. Não, não estamos nos nossos melhores dias...Numa daquelas reviravoltas que a moda faz à história, sim, que a história é muito de modas, passou-se da versão carbonária à versão ao modo do Senhor Dom Duarte Nuno. Tudo isto a propósito desse bom homem que matámos há cem anos, o Rei D. Carlos, agora o Senhor Dom Carlos, Rei de Portugal. Uma pequena multidão descobriu as maravilhas da monarquia, muda o nome de Ataíde para Athaide, de Rui para Ruy, passeia o seu blaser nos grandes escritórios de qualquer coisa burocrática que eles acham que não é burocrática, negócios, auditoria, advocacia, aconselhamento fiscal, project finance, com o emblema da Causa Monárquica na lapela, dobrando a voz todas as vezes que diz Senhor, como em Senhor Dom Carlos, indo a missas para esconjurar os jacobinos e os carbonários, convencidos de que os regicidas eram a encarnação da Al-Qaeda da época e que Portugal seria um grande país caso não houvessem aqueles tiros junto ao Tejo.

O Rei D. Carlos era um homem estimável, com boas virtudes e dedicações científicas e estéticas pouco comuns nos Braganças, com pecados simpáticos, que foi um crime matar e que mais do que merecia a banda militar a tocar nas cerimónias? De certeza que sim, mas não o façam ser o que não foi. Oh! Homens e mulheres do Senhor arredondado, para os regicidas da época aconselho um dos melhores e mais fascinantes textos de Eça, ao modo de Jorge Luís Borges, perdido nas Notas Contemporâneas, sobre o assassino de Canovas del Castillo, ou o Agente Secreto do genial Conrad, para se olhar para estas coisas com outros olhos, nem carbonários, nem beatos. Para o resto, peguem numa lupa e vão ver as fotografias dos "palácios reais", as fotografias dos grandes e médios eventos desses anos finais da monarquia e podem continuar pela República e pelo Estado Novo dentro e vejam o Portugal que lá está ao lado da Família Real nos vasos partidos segurados com arame, nas louças com "gatos", nos jardins



Do lado do "dar" está o Estado,

do lado do "receber"

está a Estoril-Sol, os Espírito Santo,

a Lusoponte, o Futebol Clube Felgueiras, etc., etc.

Não, não estamos nos nossos melhores dias...


pouco cuidados, nos espelhos com a prata gasta, nas roupas puídas e usadas, nas decorações erguidas de madeira e papelão, no tom de abandono, descuido e pouca limpeza, que nem a hierarquia do upstairs e do downstairs servia para funcionar bem, não porque não houvesse muita criadagem, mas porque faltavam os mordomos ingleses. Esse mundo que tomam por brilhante e cosmopolita era o mesmo Portugal que hoje pretendem esconjurar porque "feio, porco e mau", o mesmo Portugal - oh sinistro adjectivo! -, "piroso", de que pensam fugir conhecendo os vinhos de casta, comprando relógios Patek Philipe para entesourar, caçando vestidos de duendes verdes, fazendo subir o preço do Almanaque de Gotha nos leilões, e passeando-se por resorts e spas. Não, não estamos nos nossos melhores dias...

Salva-nos o mundo? Não, não salva, a não ser que Barack Obama, que em Portugal tem o maior número de admiradores por metro quadrado da Costa Leste dos EUA para cá, ganhe as eleições. Obama, aquilo que a esquerda europeia pensa que é a esquerda americana, é a última esperança do mundo, tão esperançosa que levou muita gente a trair os Clinton, aquilo que a esquerda europeia pensava que era a esquerda americana antes de Obama aparecer. Soares vota em Obama, Jorge Coelho vota em Obama, Marcelo vota em Obama, o BE vota em Obama, as redacções da TSF, da RTP, da SIC, do Diário de Notícias, votam em Obama. E as outras também. Pensam que Obama vai lá chegar e com a varinha mágica da Utopia e da Esperança, o seu grande mérito a julgar pelos comentários, vai acabar com a guerra no Iraque, a Al-Qaeda, a recessão e as lojas dos chineses, reconhecer a União Europeia como parceira mundial dos EUA e propor Barroso para o Prémio Nobel, dizer "porreiro, pá" ao nosso engenheiro, reconciliar Mário Soares com os EUA e pôr ordem nos israelitas.Está bem, está na altura de acordar, mas como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar? Não, não estamos nos nossos melhores dias... Historiador
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(remetido de A TRISTE VERDADE DOS NOSSOS DIAS)

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

"DICIONÁRIO DE NEWSPEAK EMPRESARIAL"

Dicionário de newspeak empresarial

PÚBLICO, TR 05.02.2008, José Vítor Malheiros

Excerto do "Pequeno guia para uso dos trabalhadores durante a marcha gloriosa das vitórias da produtividade"


O bem-estar dos trabalhadores é importante para nós: Vamos instalar vending machines no hall para não terem desculpas para ir ao café.


A segurança dos nossos trabalhadores é uma prioridade: Se essa porta não estivesse fechada vocês passavam o dia todo na rua a fumar.

A mobilidade é um imperativo da produtividade: Devemos ir para onde a mão-de-obra seja mais barata.

A deslocalização é um imperativo logístico: Os albaneses trabalham mais barato que vocês e ficam mesmo ao pé de Itália.

Na era da Internet a localização geográfica de uma empresa é irrelevante: Os chineses ainda trabalham mais barato que os albaneses.

Nesta empresa, o mais importante são as pessoas: Custa-me imenso despedi-los a todos.

Precisamos de libertar uma parte da nossa mão-de-obra: Vamos despedir 200 tipos.

Precisamos de reduzir os custos fixos: Vamos despedir 200 tipos.

Temos de apostar na flexibilidade: Vamos despedir 200 tipos e contratar uns brasileiros a recibo verde.

As promoções têm de ser fruto do mérito: As mulheres que engravidem podem esquecer a promoção.

Os imigrantes têm óptima formação e forte espírito de equipa: Como os ucranianos não estão legalizados não podem apresentar queixa.

Precisamos de apostar no outsourcing: Não temos dinheiro para pagar aos nossos técnicos.

Precisamos de vestir a camisola: Este ano não vai haver aumentos.

O esforço de reengenharia está apenas a dar os primeiros passos: Ainda não sabemos quantos empregados vamos despedir.

Vamos iniciar um processo profundo de reestruturação: É provável que sejam quase todos despedidos.

Estamos a encarar a possibilidade de downsizing nalguns sectores: A única maneira de continuarmos a ter dinheiro para pagar os salários dos gestores é fazer alguns despedimentos.

Precisamos de sangue novo: Como é que se chama aquela rapariga de mini-saia e óculos vermelhos que estava a sorrir para mim?

Temos uma forte consciência do papel social da nossa empresa: Estamos a tentar obter uns subsídios.

Precisamos de ideias novas: Vamos despedir as pessoas com os salários mais altos...

Precisamos de renovar a lógica de organização da empresa: Vamos mudar o nome dos departamentos.

Estamos a repensar a missão da empresa: Pagámos uma fortuna a uns consultores para desenhar um novo logótipo.

Devíamos fazer um brain storming: Não faço ideia.

Estou só a lançar ideias para cima da mesa: Não li o dossier.

Temos de pensar out of the box: Alguém tem uma ideia?

Temos de repensar o nosso core business: Tecnicamente estamos na falência.

Precisamos de aumentar o share of mind da nossa empresa: Ninguém sabe que nós existimos.

Fizemos um realinhamento estratégico: Pagámos uma fortuna a uns consultores que nos provaram que os consultores anteriores a quem tínhamos pago uma fortuna se tinham enganado redondamente.



(remetido de NEWSPEAK)

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