segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

“O CIRCO DESCEU À CIDADE”



Público/Opinião/
DM09DEZ07
..
O circo desceu à cidade
.
.
António Barreto
Retrato da semana
.

.
Os políticos olham


para os povos como se

estes fossem incómodos

para as suas encenações


Trapezistas andróginos, papagaios alfabetos, palhaços pobres e ricos, tigres amestrados, magos e contorcionistas: há de tudo. Vieram por três dias, a cidade ficou em quarentena e, ansioso, o mundo espera por resultados. A meio da semana, tudo recomeça, mas só com um grupo selecto que vem assinar nos Jerónimos a inútil constituição europeia alcunhada de Tratado.

CIMEIRA, TRATADO, DECLARAÇÃO E ESTRATÉGIA: todas de Lisboa, para engrandecimento da pátria! Ao lado do Presidente da União Europeia, português de lei, o presidente da Comissão, outro português de gema. Portugal, Lisboa e Sócrates saem deste rodopio famosos, prestigiados e com uma nova projecção internacional. Parece que o papel de Portugal no mundo foi assim reforçado. Que muitas novas oportunidades serão criadas. E que se deu um passo essencial na construção da paz e da segurança mundiais.

SERÁ NECESSÁRIO, PARA OBTER SEGURANÇA, DIALOGAR com criminosos, apertar a mão a torturadores, tratar quaisquer déspotas de democratas, esquecer guerras e fomes, deixar entre parêntesis a corrupção, alimentar a cleptocracia e debitar, com ar confiante, longos discursos de lugares-comuns optimistas congratulatórios? Será que o preço que tem de se pagar pela paz inclui a criação e a manutenção de uma Nomenclatura internacional imune, impune e "off shore"? Será que o próprio desta casta é o hotel de cinco estrelas, o caviar, os vintages caríssimos, a trufa branca e os aviões transformados em lupanares de luxo?

A CIDADE DE LISBOA, COMO QUALQUER OUTRA NAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS, ficou em estado de sítio. Em qualquer canto da cidade, de repente, uns nervosos polícias mandam parar carros e desviar transeuntes, ou atiram para as bermas tudo o que vive, a fim de dar lugar a luzidias comitivas de topos de gama barulhentos e sirenes emproadas de importância. Estivéssemos nós sob ameaça nuclear e a diferença não seria grande: perímetros proibidos, áreas de segurança máxima, locais protegidos pela Armada e pela Força Aérea, centenas de gorilas mais ou menos disfarçados e milhares de soldados e polícias nas esquinas ou pendurados nos telhados. Dezenas de carros blindados transportam estes senhores do pavilhão para o hotel, do centro de congressos para a sala de jantar. A distância que os separa de pessoas normais mede-se em centenas ou milhares de metros. Têm medo de tudo, dos colegas, dos terroristas, dos opositores, dos criminosos, dos acidentes e das pessoas em geral. É cada vez mais o retrato da vida política actual: longe de todos, com receio de tudo. Mas com infinita arrogância.

É TRISTE O ESTADO A QUE CHEGOU O MUNDO! TRISTE E IRREVERSÍVEL. Se mudança houver, será para ainda pior. Os políticos vivem, deslocam-se, governam, reúnem-se e decidem como se fossem perseguidos, como se estivessem permanentemente cercados. Políticos, estrelas de cinema, bilionários e chefes da Máfia vivem assim. Rodeados de guarda-costas e protegidos por exércitos, são acompanhados por enormes comitivas a que não faltam médicos, enfermeiros, ambulâncias, cozinheiros, provadores, jornalistas e escort services. Alguns não dispensam astrólogos, feiticeiros, psicólogos e personal trainers. Os que, a exemplo de Sócrates, exigem correr ou fazer exercício mandaram reservar partes da cidade para poderem queimar toxinas e ser filmados em privado. Os políticos e seus poderosos equiparados vivem num mundo à parte, têm a sua própria geografia e governam-se pelas suas leis. De vez em quando, para serem filmados, esbulham o espaço público. A democracia trocou o Fórum e a Assembleia pela Nomenclatura e pela reserva de privilegiados. Os políticos olham para os povos como se estes fossem incómodos para as suas encenações. Mas os povos olham cada vez mais para os políticos como usurpadores e parasitas.
.

.
O que mais leva ao desperdício e à degradação? Já pensei que fosse a pobreza. Depois a ignorância. Agora, acrescento a demagogia dos novos-ricos
.

.
EM PORTUGAL, OS PRÓXIMOS DIAS, SEMANAS E MESES, vão ser de intensa propaganda. As glórias do Governo e de Sócrates serão equiparadas aos mais altos feitos da história. Tudo para o bem e a grandeza do país. A impecável organização dos festejos será elogiada por toda a gente. O discurso do primeiro-ministro será mostrado como jóia rara e dele se dirá que ascendeu ao estatuto de líder mundial. Repetir-nos-ão, centenas de vezes, que Portugal está na linha da frente. Da paz, do diálogo, da cooperação, dos direitos humanos, da democracia, da ajuda ao desenvolvimento e da humanidade em geral. Pobre país que jubila com os cenários de pechisbeque, mas persiste na linha de trás da justiça, da produtividade, da educação e da desigualdade social!

DIZEM QUE OS CONFLITOS, QUANDO ATINGEM NÍVEIS INSUPORTÁVEIS, trazem a paz. Mas também dizem que as grandes festas de concórdia e espalhafato anunciam o conflito, a violência e a miséria. São coisas que se dizem... Sociólogo

.

.

(Remetido de A CIMEIRA QUE LAVA MAIS BRANCO)

.

.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A RELATIVIDADE DA LIBERDADE




Público/Opinião/

SB 08DEZ07








A relatividade da liberdade


08.12.2007, São José Almeida

É lapidar que, para o Governo do PS, a segurança prevalece sobre a liberdade
O ar de Rui Pereira a rir, com o sorriso estampado na cara, visível, mesmo para lá da mão que lhe tapava a boca e em que apoiava a cabeça, manifestando corporalmente cansaço de estar no Parlamento a debater com os deputados, choca. O misto de sarcasmo e tédio com que o ministro da Administração Interna se apresentou, em nome do Governo com colegas seus do executivo a seu lado, incluindo o primeiro-ministro, que assistiu à parte inicial do debate sobre a qualidade da democracia em Portugal proposto pelo PCP, é revelador de uma atitude que é o corolário lógico do securitismo que orienta este Governo.

.

.



imagem Nuno Ferreira Santos/Público

.
.
E esse conceito securitário que orienta o Governo português, bem como os seus homólogos da União Europeia, a Administração americana e em geral os governos democráticos é o regresso a uma musculação da democracia, a um Estado policial, ao uso da força e da sua insinuação, o uso da autoridade para intimidar os cidadãos, em jeito de ameaça, preventivamente, intimidatoriamente. Um conceito de segurança que se expandiu e se instalou nos governos democráticos após o 11 de Setembro, mas que estava já presente em políticas como Schengen.Um conceito de controlo e de policiamento da sociedade, que representa um fechamento, um cercear de sistema de liberdade individual que caracteriza as democracias liberais e que pode ser simbolicamente exemplificado com o debate vivido na Grã-Bretanha sobre a adopção de um documento de identificação obrigatória, tipo bilhete de identidade.É esse debate que, sob outros exemplos - perseguições na administração pública, abusos da polícia sobre direitos constitucionais dos cidadãos, etc. -, decorreu esta semana na Assembleia da República, o debate sobre a qualidade da democracia, ou seja, sobre o tipo de democracia que se vive e que está a ser introduzida em Portugal.Há uma afirmação feita pelo ministro Rui Pereira, na tribuna parlamentar, que resume o debate: "A liberdade e a segurança são duas faces da mesma moeda. O exercício de direitos tem limites". Aqui está contido todo o problema que se vive hoje sobre o que é democracia e o que é a essência da democracia, a liberdade. E é lapidar que, para o Governo do PS, a segurança prevalece sobre a liberdade. A liberdade é relativa. Sempre. Por isso a liberdade é frágil. Não há liberdade absoluta. E até a cultura popular já introduziu o conceito: "A minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro". Também é indefensável a ideia de que há liberdade sem segurança. Claro que não há. Se não me sentir segura, não exerço a minha liberdade em pleno direito.Mas o grande debate, o grande desafio que se coloca às sociedades democráticas hoje é saber qual o ponto de equilíbrio entre estes dois conceitos. E qual o ponto de não retorno do descambar num Estado autoritário, policial - e atenção que não estamos a falar de regresso à ditadura, é demagógico e irrealista sustentar que questionar a defesa de um Estado policial significa uma acusação de tentativa de regresso à ditadura de Salazar ou a implantação de qualquer outra ditadura.É por isso que é ridículo e até desonesto intelectualmente ouvir o que disse, a encerrar a discussão plenária, Alberto Costa, outro ministro que deu a cara pelo Governo neste debate - é interessante perceber que o executivo dá tanta prevalência à Segurança Interna sobre a Justiça como pilar caracterizador da qualidade da democracia, que o ministro que esteve em primeiro plano no hemiciclo foi Rui Pereira.E soa quase a provocação ouvir Alberto Costa perguntar se alguém acredita que a liberdade está em causa em Portugal. Claro que o que está em causa em Portugal, com a atitude securitária, intimidatória, com a tentativa de regresso de uma cultura de medo, não é, como muito bem sabe Alberto Costa, a existência de liberdade, mas, sim, qual o tipo de liberdade e a liberdade em que essa liberdade pode ser vivida. E é tanto mais absurdo ver esta entorse à questão ser feito por Alberto Costa, quanto Alberto Costa viveu na pele o que é o Estado policial, o autoritarismo da ditadura de Salazar e sabe pessoalmente o que foi a PIDE/DGS. Por isso, Alberto Costa sabe, cristalinamente, que não é correcto fazer confusões e demagogias como as que estão inerentes à pergunta que despudoradamente fez na Assembleia.Assim como sabe que não é normal que uma manifestação, legalmente autorizada pelo governo civil, deve ser protegida pela polícia como um acto de exercício de direitos e deveres de cidadania e de democracia. E não vigiada, policiada. E não com os agentes da autoridade a questionarem os participantes, a identificarem os manifestantes como se de criminosos se tratasse. Por isso, Alberto Costa devia ter pensado duas vezes antes de perguntar o que perguntou. Sobretudo, porque o fez depois de o seu colega ministro da Administração Interna ter afirmado que a polícia só identifica suspeitos de crime e, se houver abusos, deve ser feita queixa da polícia, quando a questão da identificação de manifestantes lhe foi colocada pela deputada do Partido "Os Verdes", Heloísa Apolónia.É que é no mínimo estranho ver ministros de um Governo do PS defender que a polícia só identifica suspeitos de crime, quando se está a falar do exercício do direito constitucional de manifestação. Isto porque, do ponto de vista teórico, é possível tirar a conclusão de que, se Rui Pereira disse aquilo e não afastou liminarmente a possibilidade de identificação numa manifestação legalmente autorizada, é porque considera que, teoricamente, um manifestante pode estar a cometer um crime. Logo, Alberto Costa pensa o mesmo. Logo, todo o Governo, que Rui Pereira representava naquele momento, pensa o mesmo.E é de facto relativizar a relatividade já de si inerente à liberdade considerar como normal que um representante da autoridade do Estado, numa manifestação, em vez de proteger o cidadão no exercício pleno desse seu direito constitucional e democrático, possa dirigir-se-lhe como suspeito de crime. Jornalista
.
.
.
(Remetido de DEMOCRACIA E LIBERDADE)

Web Site Hit Counters
Apple iPod Bargains