Jornal Económico
Razões radicais
08/07/11 00:03
João Cardoso Rosas
Durão Barroso disse que o ‘downgrade’ da dívida portuguesa pela Moody’s era “difícil de compreender”. Passos Coelho afirmou que se tinha tratado de “um murro no estômago”.
Santana Lopes sugeriu que essa agência está ao serviço de obscuros interesses americanos. Faria de Oliveira considerou a actuação da Moody's "imoral". Mira Amaral foi um pouco mais longe e classificou-a como "terrorista".
Imagine o leitor que tinha ouvido todas estas impressões e adjectivações há poucos meses atrás, mas sem conhecer os nomes dos seus autores. A conclusão que tiraria é que se tratava de opiniões vindas da esquerda, provavelmente da extrema-esquerda. Nunca lhe passaria pela cabeça que tais afirmações tinham vindo da área do PSD, tanto mais que o que se ouvia por essas bandas ainda há pouco tempo é que não valia a pena criticar as agências de ‘rating' pelos problemas que nós próprios tínhamos criado.
Esta mudança no discurso político, mediante a qual o que era afirmado há pouco tempo pela esquerda mais radical, passou agora a senso comum da direita estabelecida, é um fenómeno interessante, tanto mais que se estende a outras dimensões para além da crítica às agências de ‘rating'.
Todos temos ouvido nos últimos tempos personalidades do PSD, incluindo ex-governantes, criticar a destruição da economia portuguesa, a liquidação das pescas, o abandono da agricultura, etc. Mas quem sempre fez esta crítica, de forma clara, ao longo do tempo em que os factos ocorriam, foi o PCP e outros na extrema-esquerda. Eles sempre falaram da "destruição do aparelho produtivo" quando os mesmos que, à direita, criticam agora a tercearização da nossa economia preconizavam a extinção dos sectores não competitivos (agricultura, pescas, indústrias de mão-de-obra intensiva, etc.).
Um famoso ministro de vários Governos do PSD - conhecido como "o eucalipto" - dizia mesmo que a única coisa que fazia sentido preservar em Portugal era a floresta (para as celuloses) e o turismo.
Por que razão acontece tantas vezes que o discurso da esquerda mais radical acaba por ter razão antes do tempo? Julgo que isso se deve ao próprio radicalismo. Quando se olha para a realidade de fora do sistema e não de dentro é mais fácil ver os problemas. Temos de admitir que a esquerda foi mais lúcida na antecipação das nossas dificuldades. Por isso, mesmo sem sermos radicais, devíamos prestar atenção ao que diz a esquerda radical.
Isto leva-nos à discussão do momento.
Os partidos mais à esquerda sempre falaram na necessidade de reestruturar a dívida e de o fazer o mais depressa possível. O PCP falou também, sem ambiguidades, da saída do euro. Será que, daqui por uns tempos, vamos ouvir os economistas de direita reconhecer que isso é inevitável?
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João Cardoso Rosas, Professor universitário
(Reenviado de MAIS UMA PROVA DE QUE SE NÃO DEVE SUBESTIMAR O ADVERSÁRIO.)